19 fevereiro 2006

228) Direita versus esquerda: faz sentido ainda?


Aparentemente, o velho debate entre esquerda e direita voltou à pauta, menos por avanços espetaculares da direita no Brasil do que por evidentes percalços da esquerda. O Brasil, finalmente, é um país em que poucos se armam de coragem para se chamar a si próprios de “direita”. Já se vão longos anos em que não se ouve mais falar de “Comando de Caça aos Comunistas”, de “Tradição, Família e Propriedade” ou de quaisquer outros símbolos, representações, aspirações que sejam, expressa e visivelmente, identificados com a direita.
Não que a direita não exista, mas é que ela parece ser invisível. No Brasil até os partidos que se intitulam liberais acham que não se pode prescindir do Estado para, por exemplo, “corrigir as claras distorções sociais”, para “diminuir as evidentes iniquidades sociais”, para “contribuir com o processo de desenvolvimento nacional”. Estas são, pelo menos, algumas das justificativas utilizadas por eminentes próceres dos partidos mais “conservadores” – utilizemos esse rótulo anódino – para se qualificarem de “liberais sociais”, de “liberais progressistas”, ou de qualquer outro título que possa parecer, se não avançado, pelo menos moderno e comprometido com as causas sociais ou com quaisquer outros objetivos nobres e altruísticos. Ninguém, salvo alguns poucos loucos localizados, quer ser chamado de “direitista” ou sequer de “conservador”. Todos são progressistas, quando não reformistas de esquerda ou de centro.
O debate voltou à pauta a partir de uma matéria na Folha de São Paulo de 15 de Fevereiro de 2006 ( “Direita, volver!", de Marcos Augusto Gonçalves e Rafael Cariello, no caderno “Folha Ilustrada”). Existe mais transpiração do que inspiração nesse tipo de matéria, como sempre é o caso dos jornais. Por isso mesmo, gostaria de transcender o debate entre pessoas, e partidos, para enfocar questões objetivas, passíveis de serem avaliadas segundo critérios quantificados ou pelo menos pragmáticos.
Minha proposta é a de que se alinhem uma série de questões, pertinentes à agenda de qualquer país, e a partir daí sejam elencadas as soluções que o pensamento (e também a prática) da direita e da esquerda recomendam como passíveis de serem implementadas. O passo seguinte seria examinar, com base em dados empiricamente verificáveis, como esses problemas foram encaminhados em diferentes contextos nacionais e sociais, e quais seriam as lições a extrair dessas experiências. Vejamos então:

Como a esquerda e a direita resolveriam estes problemas concretos?
(em um país hipotético, mas eventualmente referidos concretamente ao Brasil)

1) Qualidade deficiente da democracia no Brasil
2) Crescimento econômico insuficiente
3) Pressões inflacionárias e independência da autoridade monetária
4) Aumentos dos investimentos produtivos
5) Carga tributária, qualitativa e quantitativa
6) Regime de câmbio
7) Qualidade do ensino público
8) Vagas no terceiro ciclo de estudos
9) Segurança pública nas grandes metrópoles
10) Baixa poupança privada
11) Drogas e delinqüência associada
12) Corrupção nos meios políticos e na esfera administrativa
13) População rural sem terras
14) Desigualdade na distribuição de renda
15) Acordos comerciais de livre-comércio
16) Investimentos diretos estrangeiros
17) Maternidade indesejada, ou precoce, e natalidade, de modo amplo
18) Liberdade de expressão e controle dos meios de comunicação
19) Alianças preferenciais na política externa
20) Integração regional ou integração ao mundo?

Não se trata, obviamente, de uma lista exaustiva, mas são questões concretas que se colocam ao Brasil, na atualidade, mas muitas das respostas podem apresentar validade extra-nacional, servindo para outros países em desenvolvimento, da própria região ou fora dela. Não pretendo, neste momento, oferecer respostas tentativas a cada uma delas, nem por um lado, nem por outro, mas vou refletir sobre cada um dos problemas e procurar compor uma lista de soluções possíveis, com as típicas receitas da esquerda – finalmente bastante conhecidas, depois de várias experiências bem ou mal sucedidas na região e em outros contextos – e as “soluções”, que parecem ser mais numerosas, que a direita vem oferecendo em um leque mais amplo de países.
Não se deve esquecer, por exemplo, que a “direita” está identificada com o capitalismo e com a globalização, um modo de produção e um processo que parecem ter uma vigência histórica maior e mais longeva do que eventuais experimentos de esquerda. Esta, por sua vez, vem acusando ambos de serem responsáveis pela miséria e pelas desigualdades ainda existentes no mundo, prometendo, em conseqüência, “um outro mundo possível” (cujos contornos e modalidades práticas estão longe de terem sido definidos).
É com base nessas realidades que eu gostaria de convidar os meus leitores – tenho certeza de que são muito poucos – a oferecerem suas respostas a algumas das, senão todas as, questões acima colocadas.
À vos crayons, citoyens…

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de fevereiro de 2006

Post scriptum, em 20 de fevereiro:
Transcrevo abaixo, em claro, comentários do Professor Orlando Tambosi, de Santa Catarina, seguidos de meus próprios comentários adicionais:

1) Boa sugestão.
Mas, num primeiro olhar, já se percebe que a "esquerda" sai perdendo em vários ítens, principalmente os relativos às liberdades. Quanto às questões relativas à economia, tende a seguir o que condenava na "direita", isto é, não aponta alternativas.

O fato é que a distinção parece cada vez mais mevediça, se é que ainda existe. Hoje já não concordo mais com Bobbio, que afirma a díade a partir de uma maior preocupação com a igualdade por parte da esquerda. Mas isto não é um mero ideal?

Talvez Colletti tenha razão: depois da queda do Muro de Berlim e do desmantelamento da URSS, não tem mais sentido manter a díade.

Suas questões dão um belo estudo.

Abraço, Tambosi

2) Minha impressao é a de que a dicotomia, ou melhor, os tipos-ideais propostos por Bobbio permanecem validos em sua essencia, mas os dois lados da equacao não possuem o mesmo valor qualitativo e sobretudo as mesmas qualidades operacionais, sobretudo em termos praticos.
O que ele, e a esquerda, propoe, em sintese, é isto: devemos lutar por mais igualdade, pois as desigualdades sao inaceitaveis. Isto dentro do parametro que as desigualdades sao fruto de realidades sociais que podem e devem ser corrigidas pela mao do homem, no caso, pela intermediacao do Estado.
A direita, sendo individualista, acredita que a desigualdade não é apenas o furto de dotacoes desiguais no nascimento ou na constituicao, mas tambem a retribuicao desigual pelo esforço individual, cabendo ao Estado tao somente fazer com os que os individuos tenham chances relativamente iguais (pela educacao, por exemplo), mas sem procurar repartir ele mesmo o estoque de ativos acumulados desigualmente pelos individuos. Pode-se, tambem, e acho que a direita aceita isto, corrigir desigualdades extremas pela taxacao diferenciada, atribuidos aos extremamente desprovidos um minimo indispensavel para sua sobrevivencia.
O diferencial, creio, começa, justamente, na atribuicao de um papel corretor ao Estado, que a direita quer reduzir ao minimo e a esquerda pretende transformar em mecanismo de justica social, com toda a violencia e injustica que podem vir associadas a este ativismo.
Essa dicotomia vai permanecer durante muito tempo, enqanto vivermos em sociedade de penuria, pelo menos...
Nao creio, voltando ao meu post, que eu venha a ter muitos comentarios ou propostas. Mas fica o exercicio para algum dia ser completado...
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
www.pralmeida.org
www.diplomaticas.blogspot.com/

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Boa sugestão.

Mas, num primeiro olhar, já se percebe
que a "esquerda" sai perdendo em vários ítens, principalmente os relativos às liberdades. Quanto às questões relativas à economia, tende a seguir o que condenava na "direita", isto é, não aponta alternativas.

O fato é que a distinção parece cada vez mais mevediça, se é que ainda existe. Hoje já não concordo mais com Bobbio, que afirma a díade a partir de uma maior preocupação com a igualdade por parte da esquerda. Mas isto não é um mero ideal?

Talvez Colletti tenha razão: depois da queda do Muro de Berlim e do desmantelamento da URSS, não tem mais sentido manter a díade.

Suas questões dão um belo estudo.

Abraço, Tambosi

domingo, fevereiro 19, 2006 11:38:00 PM  

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