04 abril 2006

Sorry folks, de mudança, outra vez...

De mudança...
Comunico que, desde este 4 de abril, por motivos que independem de minha vontade (esta mula empacou outra vez...), me mudei deste Blog:

Cousas Diplomáticas
http://diplomaticas.blogspot.com/

para este para novo endereço:

Diplomatizando
http://diplomatizando.blogspot.com/

329) Meu blog empacou, outra vez...

Parece que é uma fatalidade: assim que a gente se afeiçoa a alguma coisa nova e bonitinha, vem a "fatalidade" -- que deve ser uma deusa de muito mau humor -- e provoca um incidente qualquer e acaba com a alegria dos incautos. O estrago foi feio...

Pois é, este meu blog empacou outra vez. Já é a segunda vez em menos de três meses: vinha eu caminhando, alegremente, com o meu primeiro blog (http://paulomre.blogspot.com/), quando a mula do Blogger (que pertence ao Google, essa maléfica entidade multinacional) cismou de não aceitar mais nada.
Não teve jeito: tentei de uma forma, tentei de outra, apelei para os deuses da cibernética, mas nada, a mula ficou onde estava e não arredou mais dali. ISto foi em 20 de janeiro de 2006, pouco mais de um mês da inauguração do blog.

Daí abri o meu segundo blog interativo, este "Cousas Diplomáticas", que acabou sendo complementado por três outros: um de Book Reviews, outro Academia, para minhas aulas, e um terceiro, Textos PRA, espécie de "depósito geral" para materiais os mais diversos.
Pois agora o meu "Cousas" -- que não se perca pelo nome -- resolveu parar no meio do caminho como um imenso bloco de granito. Não se move, nem para frente, nem para trás.
Só implodindo. Pois foi o que decidi fazer agora, "fechando" este e abrindo um outro, na seqüência imediata das postagens, inaugurando-o, portanto, sob o número 330.

Eis o novo blog: Diplomatizando: http://diplomatizando.blogspot.com/

Visitem, façam críticas, mandem comentários, mas por favor: não invoquem a deusa da fatalidade outra vez pois parece que ela é irascível.

02 abril 2006

328) Um site dedicado a livros e temas de relações internacionais...


Convite de “reinauguração”

Todos aqueles interessados em temas de relações internacionais, em especial em sua vertente econômica, de política externa brasileira e de relações exteriores do Brasil (não são exatamente a mesma coisa), em questões de política internacional e suas diferentes vertentes regionais, em especial da América Latina, em processos históricos de desenvolvimento econômico, na globalização, na regionalização, com especial ênfase na construção do Mercosul e nas negociações comerciais regionais, hemisféricas (Alca) e multilaterais (OMC), mas também em questões financeiras internacionais, sem esquecer os investimentos diretos estrangeiros, em políticas macroeconômicas nacionais e setoriais, não olvidando a educação e a formação de recursos humanos...
ufa!...
com destaque especial para os livros e os debates em torno de todas essas questões acima citadas, e o que mais aparecer,
estão convidados a fazer uma visita ao meu site pessoal:

www.pralmeida.org

(que foi reformado, não está sob nova direção, mas consegui corrigir algumas imperfeições existentes anteriormente, como links quebrados, ausência de arquivos, etc).

Sua estrutura é simples (mas tem muita coisa dentro de cada uma das seções).
O site está basicamente dividido em três seções substantivas:
1) Livros (meus, editados por mim, colaboração e outros): http://www.pralmeida.org/01Livros/1NewBoooks/0Livros.html

2) Trabalhos originais (a lista completa de meus trabalhos, em ordem cronológica): http://www.pralmeida.org/03Originais/00Originais.html

3) Trabalhos publicados (apenas aqueles que foram formalmente publicados): http://www.pralmeida.org/02Publicacoes/00Publicacoes.html

Além disso, existem links para listas de colaborações minhas a sites como:
1) Relnet (Colunas de Relnet, revista Cena Internacional e boletim Meridiano 47):
http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/01Relnet.html
2) Parlata (apenas resenhas de livros, grandes, pequenas, enormes...)
http://www.parlata.com.br/parlata_indica.asp
3) Espaço Acadêmico (coluna mensal sobre temas variados, em geral sobre o Brasil)
http://www.espacoacademico.com.br/arquivo/almeida.htm
4) Outras colaborações sob a forma de resenhas de livros para revistas como:
Desafios do Desenvolvimento: http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/03Desafios.html
Plenarium: http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/04Plenarium.html

Em cada uma das grandes seções, eu seleciono, regularmente, alguns trabalhos mais importantes, publicados ou inéditos.

Chega de informação, está feito o convite para visitas. Só não vou poder quebrar uma garrafa de champagne por ocasião deste “lançamento” porque isso poderia quebrar o meu computador...

Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org

327) Como anda essa frente de esquerda na América Latina?

Apenas transcrevendo matéria do jornal O Estado de São Paulo deste domingo, 2 de abril de 2006:

Bolívia vai retomar controle dos campos da Petrobrás
Decreto que será publicado neste mês transformará multinacionais petroleiras em prestadoras de serviços


Nicola Pamplona

O governo boliviano vai transferir à estatal local Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPFB) o controle sobre os campos de petróleo e gás hoje em mãos de companhias multinacionais, lista que inclui a brasileira Petrobrás. Um novo modelo contratual, que reserva às atuais concessionárias o papel de operadoras de poços, está em gestação no Ministério dos Hidrocarbonetos boliviano, e será apresentado ainda em abril, em decreto que regulamenta a nacionalização das reservas do país. As empresas terão seis meses, após a publicação do decreto, para se adaptar às novas regras.

O modelo defendido pelo ministério prevê que as petroleiras deixem de ser concessionárias de exploração e produção para se tornarem prestadoras de serviço da YPFB, mudança que desagrada a todas as companhias. O titular da pasta, Andrés Soliz-Rada, promete negociar a solução mais conveniente com as empresas. Mas a Lei dos Hidrocarbonetos de 17 de maio de 2005, que nacionalizou as reservas, determina que todas as atuais concessionárias migrem para os novos contratos. "O Estado tem decisão soberana sobre os hidrocarbonetos", comenta Jorge Teles, assessor de Soliz-Rada.

"O Estado é o dono das reservas. Já os caminhões, equipamentos e sondas de perfuração continuam sendo das empresas", diz o assessor do ministério. O decreto em elaboração pelo governo põe em prática a nacionalização das reservas que, na teoria, já vigora desde a publicação da Lei dos Hidrocarbonetos. A YPFB será o braço operacional do Estado no setor de petróleo e gás, explica Teles, e terá participação em todos os negócios no País. A empresa, que durante uma década atuou apenas no gerenciamento de contratos de compra e venda, está sendo reestruturada para assumir as novas funções.

Contratos de prestação de serviços são comuns em países do Oriente Médio, México e Venezuela, por exemplo. Segundo este modelo, as empresas são remuneradas pela operação dos poços, com tarifas reguladas. Na Bolívia, desde 1996, vigora um modelo de concessões semelhante ao brasileiro, no qual as petroleiras assumem os riscos exploratórios e, em caso de descoberta, se comprometem com os investimentos para produzir as reservas. A produção pertence aos concessionários, que têm autonomia para negociar melhores condições de venda.

"Não nos interessa ser prestadores de serviços", afirma o presidente da Petrobrás Bolívia, José Fernando de Freitas. "Nenhuma empresa está disposta a ter papel tão submisso e tão secundário", resume um executivo de multinacional com negócios na Bolívia. Na quarta-feira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, manifestou pela primeira vez o desconforto com o andamento do processo, surpreendendo os bolivianos pelo tom duro das declarações. A manifestação gerou resposta rápida do ministro Soliz-Rada, que, na manhã seguinte, pediu mais cordialidade nas conversas, mas sinalizou que não vai ceder a pressões.

Diante das críticas das empresas, o governo avalia se publicará modelo alternativo de contrato. Uma das propostas seria entregar participação acionária nos projetos à YPFB, garantindo à estatal parcela da produção de petróleo e gás. Mas, no Ministério dos Hidrocarbonetos, a avaliação é que o contrato de prestação de serviços é o instrumento que melhor atende aos interesses bolivianos. Teles sustenta que não se trata de confisco e diz que o governo quer parcerias. Mas é grande o risco de radicalização dos discursos, apontam observadores bolivianos.

"É provável que o discurso nacionalista se acirre, porque o governo está em plena campanha para conseguir maioria na Assembléia Constituinte que será convocada este ano", aponta o analista político Gonzalo Chavez, da Universidade Católica Boliviana. "O discurso político está entorpecendo a realidade. Esse embate não leva a nada", diz fonte do governo brasileiro.

"É natural que em períodos de petróleo caro os governos queiram rever contratos. Mas as medidas não podem ser tomadas unilateralmente", diz Freitas. Soliz-Rada anunciou que o ministério fará auditorias nas concessões atuais, com o objetivo de definir os termos dos contratos. A idéia é reduzir a margem de lucro dos projetos com investimentos amortizados, como o campo gigante de San Alberto, da Petrobrás, cita Teles.

326) Da série: fábulas fabulosas

A Formiguinha Feliz
(Coisas do mundo corporativo...)

Todos os dias a Formiga produtiva e feliz chegava ao escritório. Ali transcorria os seus dias, trabalhando e cantarolando uma velha canção de amor.
Era produtiva e feliz, mas não era supervisionada. O Marimbondo, gerente geral, considerou o fato impossível e criou um cargo de supervisor, no qual colocaram uma Barata com muita experiência.
A primeira preocupação da Barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída, além de preparar belíssimos relatórios.
Bem depressa se fez necessária uma secretaria para ajudar a preparar os relatórios e, portanto, empregaram uma aranhazinha, que organizou os arquivos e se ocupou do telefone. Em quanto isso, a formiga produtiva e feliz trabalhava e trabalhava.
O Marimbondo, gerente geral, estava encantado com os relatórios da Barata, e terminou por pedir também quadros comparativos e gráficos, indicadores de gestão e analise das tendências. Foi, então, necessário empregar uma Mosca ajudante do supervisor, e foi preciso um novo computador com impressora colorida.
Logo a Formiga produtiva e feliz parou de cantarolar as suas melodias e começou a lamentar-se de toda aquela movimentação de papeis que tinha de ser feita.
O Marimbondo, gerente geral, concluiu, portanto, que era o momento de adotar medidas: criaram a posição de gestor da área onde a Formiga produtiva e feliz trabalhava.
O cargo foi dado a uma Cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial. A nova gestora de área - claro - precisou de um computador novo, e quando se tem mais do que um computador, a Internet se faz necessária. A nova gestora logo precisou de um assistente (sua assistente na empresa anterior) para ajuda-la a preparar o plano estratégico e o orçamento para a área onde trabalhava a Formiga produtiva e feliz.
A Formiga já não cantarolava mais, e cada dia se tornava mais irascível. "Precisaremos pagar para que seja feito um estudo sobre o ambiente de trabalho um dia desses", disse a Cigarra. Mas um dia, o gerente geral - ao rever as cifras - se deu conta de que a unidade na qual a Formiga produtiva e feliz trabalhava não rendia muito mais.
E assim contratou a Coruja, consultora prestigiada, para que fizesse um diagnostico da situação.
A Coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um relatório brilhante com vários volumes e custo de "vários" milhões, que concluía:
"Ha muita gente nesta empresa".
E assim, o gerente geral seguiu o conselho da consultora e demitiu a Formiga, por que andava muito desmotivada e aborrecida...

325) Esquerda versus direita: de volta a um velho debate...

Ainda faz sentido a velha divisão política entre esquerda e direita?
Provavelmente não, mas a despeito de toda a evolução relativamente consensual conhecida pela humanidade, em termos de políticas econômicas e práticas democráticas, desde que esses dois conceitos – e a realidade que eles exprimem – foram criados, no contexto da Revolução francesa, na década final do século XVIII, o fato a ser ainda inquestionavelmente reconhecido é que essa divisão persiste.
De certa forma, ela se aprofunda em certos países. Não em todos, certamente, mas em vários de tradição social e sindical mais “confrontacionista”, os conceitos e os alinhamentos políticos dela derivados ainda encontram forte respaldo nos cenários políticos, em especial na Europa e na América Latina. Nos Estados Unidos e em certos países asiáticos as realidades políticas parecem bem mais matizadas, tornando virtualmente impossível a classificação dos grupos segunda a divisão clássica esquerda versus direita. Em relação aos EUA, observadores estrangeiros acreditam que os democratas estariam mais à esquerda – em função, provavelmente de sua maior vinculação com os meios sindicais e com as políticas ditas de ação afirmativa – e os republicanos – identificados com o “grande capital” – seriam os representantes da “direita”, mas isso não faz o menor sentido para quem conhece a realidade social e política daquele país.
Resta que, na Europa e na América Latina, sobretudo, grupos partidários, escolas de pensamento econômico e atores sociais continuam a se situar num espectro político que vai da extrema esquerda à direita conservadora, estes bem mais na Europa do que na América Latina, onde ninguém quer ser, honestamente, de direita ou conservador. Mesmo os liberais pró-mercado chegam a reconhecer, entre nós, a necessidade do Estado, em vista das “desigualdades sociais”.
Aqui parece estar, precisamente, a raiz da divisão histórica, ou clássica, que ainda justifica a existência desses dois agrupamentos genéricos (dentro dos quais se encontram as diversas “seitas” pertencentes à família maior): a esquerda reivindica a si mesma uma identificação com a resolução de determinados problemas sociais via forte atuação do Estado e políticas indutoras de transformação, ao contrário dos “liberais”, ou direitistas, que confiariam mais nas forças de mercado para que essa correção se faça.
O tema ainda voltou à baila, a partir das eleições ocorridas na América Latina no período recente, quando líderes identificados com as “causas populares” foram eleitos com ampla maioria de votos. Falou-se de uma “esquerdização” na América Latina, cujo sentido foi assim expresso por uma autoridade política:
“O que há, sem dúvida nenhuma, é uma tendência de governos mais comprometidos com reformas sociais, com maior autonomia em relação às grandes potências do mundo e maior vontade de integração regional. Se você identificar esquerda com a visão de progresso, reforma social, democracia e com forte defesa dos interesses nacionais, a resposta à sua pergunta é sim.” (entrevista da jornalista Eliane Cantanhêde com o chanceler Celso Amorim, Folha de São Paulo, 23.01.06).
A julgar por esse tipo de resposta, a identidade da esquerda se resumiria, portanto, na visão de progresso, na reforma social, na democracia e na defesa dos interesses nacionais, com defesa da autonomia em relação às potências mundiais. Mas, se questionarmos algum dirigente liberal, ou mesmo conservador, ele certamente não se oporia a nenhum desses objetivos, dizendo que ele também é favorável a reformas sociais, desde que preservados os princípios básicos da economia de mercado, da livre iniciativa, da autonomia das partes em regimes puramente contratuais – isto é, com interferência mínima nas relações trabalhistas, por exemplo –, princípios estes que raramente seriam lembrados por algum dirigente de “esquerda”. Ele ainda poderia agregar que é também favorável à abertura econômica, ao acolhimento ao capital estrangeiro, à liberalização do comércio, elementos que dificilmente poderiam ser encontrados num discurso da esquerda.

Os elementos principais que separam a esquerda da direita, assim, poderiam ser identificados mais com o ideário econômico, do que com as formas de organização política. Com raríssimas exceções, poucos hoje em dia ousariam defender a “ditadura do proletariado” ou um regime político dividido claramente em classes “dominantes” e classes “dominadas”, sendo que aquelas estariam representadas pela burguesia e pelos latifundiários, obviamente. Mas, melhor do que tentar interpretar o pensamento da esquerda, uma vez que apenas ela parece reivindicar ainda este rótulo, seria o ato de dar-lhe diretamente a palavra, para que ela mesma exponha as suas posições.

Num recente documento do Partido dos Trabalhadores (PT), preparado para expor suas idéias e razões no Fórum Social Mundial de Caracas (24 a 29 de janeiro de 2006), lê-se claramente a auto-designação desse partido como sendo de esquerda:

“A nova direção nacional do PT, eleita no dia 18 de setembro de 2005, tem plena consciência do que está em jogo, tanto para o Brasil quanto para a América Latina: não permitiremos o retorno, ao governo federal, de partidos comprometidos com o ideário neoliberal, com os interesses do capital financeiro e dos Estados Unidos. Por isto mesmo, o Partido dos Trabalhadores envidará todos os seus esforços para que a esquerda saia vitoriosa nas eleições de 2006.”

E como a esquerda deve sair vitoriosa em 2006? Em primeiro lugar construindo uma “alternativa ao modelo neoliberal”, mas essa alternativa, tanto quanto o “modelo” não se encontram explicitados em nenhum lugar do texto. Outros elementos aparecem mais adiante, ao pretender o PT “conduzir a reforma do Estado, estabelecendo mecanismos de controle social, implementando mecanismos de democracia direta e participação popular”. Ainda no terreno econômico, o que se quer é “crescer distribuindo renda e riqueza, com inflação e juros compatíveis com uma sociedade livre da ditadura dos interesses financeiros. Recusamos em absoluto as propostas que visam reduzir os gastos sociais (como a proposta de ‘déficit zero’). Do que necessitamos é aprimorar a gestão do Estado para ampliar os investimentos públicos e os gastos sociais”.

Creio que aí estão resumidas algumas das idéias econômicas da esquerda, pelo seu mais abalizado partido de massas no Brasil. A partir daí se pode, portanto, traçar um pequeno quadro do que separa, ainda, a esquerda da direita no Brasil (e, em grande medida, na América Latina).

O primeiro elemento a ser aqui notado, na caracterização das diferenças entre esquerda e direita, seria que a primeira é “instintivamente” anti-capitalista, ainda que pouca gente na esquerda, atualmente, acredite, que se vá conseguir “liquidar”, de fato, com o chamado “modo de produção capitalista”. A esquerda continua a xingar o capitalismo e a acusá-lo das piores perversões sociais, mas uma vez no poder se contenta apenas em administrar o capitalismo realmente existente.
Ou seja, a esquerda só é socialista da boca para fora, como rótulo cômodo, ou ainda para retomar uma velha tradição de lutas sociais que supostamente está identificada com o combate às mazelas da época “gloriosa” do capitalismo manchesteriano, quando a burguesia triunfante tratava o proletariado como modernos escravos das galés, e ostentava sua riqueza fumando charutos sobre um saco de dinheiro (esta é, pelo menos, a imagem clássica do capitalista sem alma).

O que a esquerda consegue ser, de fato, é estatizante, por acreditar, sinceramente, que o Estado é um instrumento útil e mesmo necessário para a correção dessas mazelas sociais criadas pelo capitalismo, a começar pela desigualdade distributiva e pela existência de “desequilíbrios de mercado”, que importa corrigir pela mão sempre lúcida do planejador social. Trata-se aqui do principal divisor de águas entre a esquerda e a direita, uma vez que esta última é mais propensa a acreditar nas soluções de mercado, como o meio mais justo, e inerentemente mais racional e eficiente, para redistribuir ganhos derivados do esforço individual.
Sim, aqui aparece outra característica distintiva: a esquerda é coletivista ou “social”, enquanto a direita prefere as liberdades individuais e a liberdade de iniciativa, com retenção de ganhos para o detentor dos “meios de produção”, ao passo que a esquerda privilegia a redistribuição da “riqueza social”.

No plano político, “mecanismos de controle social, implementando mecanismos de democracia direta e participação popular”, como expresso no documento do PT, soa como heresia aos ouvidos da direita, que prefere apenas a “democracia pura”, que a esquerda chama de “formal” ou “burguesa”, pretendendo, então, dar-lhe conteúdo social ou econômico.

Estes são, creio, os elementos centrais da tradicional divisão entre esquerda e direita. Como vivemos em regimes de escassez e de fortes desigualdades distributivas, que a esquerda atribui às estruturas inerentemente injustas da sociedade capitalista, e que a direita apenas credita a mecanismos de mercado, essa divisão promete continuar no futuro previsível, sem que alguma conciliação seja possível entre linhas tão díspares de concepção do mundo e da sociedade.

Restaria, então, para aprofundar o debate, examinar a consistência intrínseca e a validade empírica – isto é, submetida ao teste da realidade – das propostas respectivas da esquerda e da direita para a resolução (pacífica, entenda-se, uma vez que as revoluções não são planejadas, mas simplesmente ocorrem) desses contenciosos que não são apenas filosóficos, mas têm a ver com a própria organização política, social e econômica das sociedades humanas.
Essa tarefa fica, entretanto, para uma próxima oportunidade...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de janeiro de 2006

01 abril 2006

324) Itamaraty abre novas vagas em caráter excepcional


Vejam a nota de imprensa distribuída hoje pelo Itamaraty: novas vagas, excepcionais, estão sendo criadas, mas a lotação já está determinada que será em consulados necessitados de mão-de-obra e nas novas embaixadas africanas...

Ministério das Relações Exteriores
Assessoria de Imprensa do Gabinete


Palácio Itamaraty
Térreo
Brasília - DF
CEP: 70170-900 Telefones: 0(xx) 61-3411-6160/2/3
Fax: 0(xx) 61-3321-2429
E-mail: imprensa@mre.gov.br

Nota nº 224 - 01/04/2006
Distribuição 22 e 23

Itamaraty amplia os serviços de atendimento consular e lotação de embaixadas em postos classificados como C – Medida Provisória

Tendo em vista o atendimento consular adequado da comunidade brasileira no exterior (que tem crescido exponencialmente na última década), bem como a lotação emergencial de funcionários diplomáticos e administrativos nos novos postos que estão sendo abertos em países africanos e levando em consideração que o processo normal de recrutamento, efetuado em bases anuais pelo Instituto Rio Branco, não tem permitido atender de forma conveniente as necessidades decorrentes dessa dupla expansão, o Senhor Presidente da República, informado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, decidiu enviar ao Congresso Nacional medida provisória determinando a abertura imediata de vagas nas carreiras diplomática (em número de 100 novas vagas) e de oficiais chancelaria (em número de 150 novas vagas), a serem preenchidas por concurso direto e posse imediatamente posterior aos exames de seleção.

Editais nesse sentido estarão sendo publicados proximamente de maneira a habilitar os candidatos interessados a prestar os concursos em 12 capitais brasileiras. As novas vagas a serem criadas por esses concursos diretos excepcionais serão necessariamente preenchidas nos consulados mais necessitados de novos recursos humanos e nos novos postos diplomáticos que estão sendo criados em países da África. Informação ulterior trará o quadro de vagas em cada um dos postos.

323) América Latina: males de origem

Respostas a questões colocadas por jornalista da revista ComCiência (http://www.comciencia.br/)

1. Com relação aos Estados Unidos e sua política externa, os democratas e os republicanos agem de forma diferente. Essa ascensão de governos de esquerda seria fruto da política seguida pelos republicanos?

PRA: As diferenças entre os dois grandes partidos americanos, Democrata e Republicano, em temas de política externa, são bem menos sensíveis do que no amplo espectro das políticas econômicas e sociais, nas quais pode-se detectar uma adesão mais enfática dos republicanos a medidas de corte liberal, ou pró-mercado, e uma preferência maior dos democratas por políticas de cunho social-democrático, de caráter mais ou menos intervencionista ou “dirigista”. Ainda assim, cabe considerar que os oito anos de Bill Clinton foram excepcionalmente caracterizados por disciplina fiscal e adesão aos princípios da globalização – liberalização financeira, regras do consenso de Washington etc. – ao passo que a administração alegadamente “conservadora” de George Bush tem demonstrado maior irresponsabilidade na vertente fiscal.
De toda forma, não existem praticamente diferenças no plano da política externa, onde os dois grupos defendem praticamente os mesmos princípios vinculados aos interesses americanos de segurança estratégica e de conquista de novos mercados e de garantias aos investimentos externos das empresas americanas. A única diferença aqui registrada pode ser caracterizada pela maior adesão dos democratas aos esquemas multialteralistas da ONU – mas de forma algo diluída – e uma opção preferencial dos republicanos pelo unilateralismo de tipo imperial. Mas, isso se manifesta no plano mais geral, não tendo praticamente nenhuma influência sobre a política externa dos EUA para a América Latina, na qual fica praticamente impossível distinguir políticas específicas de democratas ou republicanos.
No que se refere, entretanto, à questão colocada, deve-se observar, antes de mais nada que a pretendida ascensão de governos de esquerda em alguns países da América Latina não tem absolutamente nada a ver com a supostos efeitos da política “imperial” patrocinada pelos republicanos, uma vez que a América Latina praticamente não faz parte do “mapa estratégico” da grande potência. As mudanças políticas observadas nos últimos anos na região obedecem a dinâmicas políticas rigorosamente nacionais, não constituindo respostas a hipotéticas políticas da grande potência hegemônica. As manifestações e protestos conduzidos por grupos de esquerda e movimentos anti-globalizadores podem até dar essa impressão, mas não são esses os fatores que explicam a ascensão ao poder de partidos políticos mais ou menos identificados com a esquerda ou com movimentos ditos populares na América Latina.
As crises políticas observadas na Venezuela, na Bolívia, no Equador, bem como as sucessões eleitorais no Brasil, na Argentina, no Uruguai, no Chile e, possivelmente, no Peru e no México, dentro em breve, não respondem aos mesmos fatores e não se pautam por dominantes externas em suas respectivas esferas políticas internas. O que ocorreu, em alguns casos – Venezuela, Equador, por exemplo – foi uma crise geral do velho sistema partidário e a “evolução” para um sistema político mais fragmentado ou organizado em bases não-partidárias; em outros casos, ocorreu a ascensão de movimentos camponeses e indigenistas – como na Bolívia, mas também no Equador e no Peru – que também coloca em cheque a dominação política tradicional dos partidos “brancos”. A Argentina, por sua vez, atravessou uma tremenda crise econômica, que não parece ter até agora abalado as bases do protagonismo peronista no país, que de toda forma está fragmentado em diversas correntes que respondem mais a critérios de lideranças personalistas do que a linhas econômicas ou políticas muito definidas. No Uruguai ocorreu um inédito rompimento do secular duopólio blanco-colorado, mas que de toda forma foi conduzido por uma aglomeração de partidos, o Frente Amplio, que estava ha mais de uma década na disputa pelo poder. No Chile, o que se observou foi a continuidade da mesma coalizão política – a Concertación Democrática – que governa o país desde sua saída da ditadura Pinochet (1990) e uma sucessão entre socialistas, que de resto observam os cânones da mais perfeita política econômica liberal (e que não tem nada a ver com os apelos políticos populistas e a orientação nacionalista e estatizante de outros experimentos econômicos na regioão). No Brasil e na Argentina, finalmente, são governos moderadamente de esquerda ou nacionalistas, que não abalaram, no essencial, o funcionamento da economia de mercado e que tampouco fazem do antiimperialismo militante umprincípio de política externa, como pode ser o caso da atual liderança política venezuelana.

2. Em seu artigo "America Latina: novo rumo na direção da esquerda?" o senhor afirma que não são as politicas neoliberais que neutralizam as políticas sociais na região, mas sim a má qualidade das instituições democráticas. Por que?

A América Latina não se distingue tanto por políticas ditas “neoliberais” – de resto muito pouco seguidas na região, com exceção da maior ênfase no Chile e no México, ou na Argentina de Menem, e uma adesão moderada no Brasil de FHC – quanto por medidas ineficientes para contrabalançar o que são suas marcas distintivas desde várias décadas ou quiçá séculos: uma grande desigualdade distributiva, com enorme concentração de renda nos estratos sociais superiores, e dificuldades persistentes para sua inserção na economia mundial, o que explica o persistente declínio da participação da região nos fluxos de comércio e de investimentos internacionais.
Os principais determinantes dessa situação social negativa e dos baixos índices de competitividade econômica internacional não são, ou nunca foram, políticas ditas neoliberais, mas o baixo grau de escolaridade e de capacitação profissional da população, e o perfil econômico relativamente introvertido das estruturas econômicas da região. Não se pode culpar o neoliberalismo pela baixa qualidade da educação ou pela falta de formação profissional, quando o que o liberalismo econômico preconiza, justamente, é a qualificação produtiva da população para uma maior inserção nos intercâmbios mundiais. Tampouco se pode culpar o neoliberalismo pelo emissionismo irresponsável – base das altas taxas de inflação, que redundam em maior concentração de renda –, pela irresponsabilidade fiscal, pelos excessos regulacionistas – intervencionismo estatal – ou pela corrupção endêmica na maior parte dos países.
A má qualidade das instituições democráticas não é o principal determinante do baixo desempenho econômico relativo da América Latina, mas certamente é um fator que deve ser levado em linha de conta em qualquer análise que tente isolar os componentes do baixo crescimento, da ausência de ganhos significativos de produtividade, do caráter errático das políticas macroeconômicas e da instabilidade eleitoral das políticas setoriais. Quando se considera os elementos principais da equação latino-americana, o que pode explicar, de modo mais enfático, o relativo fracasso do desempenho econômico e social são, basicamente, quatro fatores: uma macroeconomia bastante instável – com mudanças freqüentes de políticas econômicas –, uma microeconomia pouco competitiva – com a persistência de cartéis, monopólios, reservas de mercado, e um ambiente regulatório para a atividade empresarial muito negativo, de modo geral –, uma má qualidade dos recursos humanos – a educação é o um dos principais determinantes dos ganhos de produtividade e a base indispensável de uma melhor distribuição de renda – e, finalmente, uma baixa inserção nos circuitos internacionais, com pequena participação nos fluxos de comércio e de investimentos.
Todos esses elementos estruturais não têm absolutamente nada a ver com o caráter supostamente neoliberal das políticas econômicas aplicadas na América Latina, tanto porque o país que aplicou de forma mais consistente e continuada esse tipo de política, o Chile, é o que apresenta o melhor desempenho econômico e social nas últimas décadas.

3. Há interesse de alguns países que as instituições latino-americanas fiquem enfraquecidas?

Não vejo quais países poderiam ostentar o desejo – ainda que de modo subreptício – desse tipo de fracasso, e certamente não os EUA. Instituições fracas significam aumento das transações ilegais e criminosas – como os ligados à produção e tráfico de narcóticos, à lavagem de dinheiro, máfias de imigrantes ilegais etc. – e não vejo como os EUA pretenderiam esse tipo de cenário no hemisfério. Uma “visão conspiratória” da história, hoje totalmente descreditada, pretende ver numa suposta oposição dos EUA aos esforços de industrialização e de fortalecimento econômico dos países latino-americanos a origem dos nossos males de subdesenvolvimento e de atraso econômico e fracasso social.
As instituições latino-americanas podem ficar – e geralmente ficam – enfraquecidas pela ação de grupos políticos internos, prebendalistas, rentistas, oligárquicos, corruptores, o que pouco tem a ver com alguma ação supostamente “deletéria” do capital estrangeiro ou a influência política de nações mais poderosas. A atribuição de causas “externas” para a maior parte dos nossos males de origem é o mais notável “bode expiatório” utilizado por grupos políticos nacionais, que se eximem de assumir responsabilidade política por seus próprios fracassos.

Paulo Roberto de Almeida (1570, 1º de abril de 2006)

322) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (4)...

(continuação, e final, da série sobre a esquerda latino-americana...)

ES: “Mas ainda temos enormes fragilidades. O Mercosul, por exemplo, avançou pouco”, avaliou. Com isso, segundo o professor, os EUA “vão comendo pelas beiradas” e preparando a volta da Alca.

PRA: Acho que o professor não precisa se preocupar: a Alca não volta mais, pois seria preciso dobrar os três maiores países da América do Sul. Em compensação, como sugerido sutilmente, os EUA vão logrando seus objeetivos por outras vias…

ES: Segundo Sader, é preciso caminhar na direção da moeda única e buscar maior integração na política e em outras áreas, com destaque para as comunicações – hoje dominada pela mídia que se faz porta-voz dos interesses norte-americanos.

PRA: Acho, sinceramente, que o professor não tem a menor idéia das condições e dos requerimentos de uma moeda única na região, do contrário não falaria com tanta ingenuidade sobre um tema tão complexo. Quanto aos demais aspectos, acho que ele tem toda razão: os novos dirigentes da América Latina, já eleitos e com fortes chances nas próximas eleições, parecem ter as mesmas orientações políticas, o que sem dúvida alguma propiciará o “ponto ótimo” da integração política. Se todos tiverem também as mesmas orientações em matéria de mídia e de comunicações, então o continente estará quase que inteiramente unificado, com exceção de algumas ovelhas negras liberais aqui e ali.

ES: Tais avanços não dependem apenas dos governos, entende Sader, mas da interação entre governos, forças políticas e movimentos sociais. Nesse aspecto, criticou o Fórum Social Mundial, que estaria “girando em falso” por resistir à idéia de ação conjunta. E citou o MAS (partido do presidente Evo Morales, da Bolívia) como exemplo vitorioso de ação partidária a partir dos movimento sociais.

PRA: O FSM talvez seja muito “anarquista” para o gosto do professor, pois ele segue refratário à idéia de “pensamentos únicos” e “ações conjuntas”. Sabe-se, também, que o movimento fraturou-se, justamente, entre os mais “organizacionais” e os persistentemente “anarquistas”, ou entre aqueles que pretendiam direcioná-lo no sentido da luta contra o império e a globalização perversa e os que pretendiam aprofundar a discussão em torno das chamadas “vias alternativas”. Mas, ainda há esperança, a partir do MAS boliviano e talvez de alguns outros movimentos similares. Resta ver se a agenda de todos esses governos, forças políticas e movimentos sociais é realmente convergente.

ES: “Não podemos ficar só no enfrentamento. É preciso construir força política”, concluiu.

PRA: Totalmente de acordo, o que me permite concluir, por uma vez, dando meu assentimento a pelo menos um argumento do professor. De fato, os movimentos que se opõem ao neoliberalismo, ao capitalismo global e ao império precisam constituir força política, mas é isso que vem sendo clamado desde muito tempo. Alguma explicação para resultados tão pífios até agora? Aparentemente, mesmo os governos ditos de esquerda não parecem dispostos a romper com o capitalismo global e o neoliberalismo, como parece ser o caso do Brasil, do Uruguai e do Chile, três dos exemplos no rol dos governos de esquerda da região, segundo o professor. Restam a Venezuela, a Argentina e a Bolívia, mais consistentemente anti-neoliberais, na concepção do professor: caberia ver para que direção eles estão efetivamente conduzindo seus países e qual o sucesso, mesmo relativo, de seus experimentos econômicos. O próximo teste, muito aguardado pelas forças ditas progressistas, é o do México: romperá um governo de esquerda com o Nafta e a política econômica até agora aplicada ali? Resposta em pouco tempo…


Minha modesta conclusão é a de que a América Latina está mais confusa do que nunca esteve e que não me parece que aqui se joga o destino da humanidade. Considero esse tipo de afirmação um jogo retórico do professor, mais destinado a encantar platéias já conquistadas do que convencer novas audiências. De resto, trata-se de velho problema das esquerdas latino-americanas, esse ficar rodando em círculos, nas contradições inconciliáveis – como diriam os marxistas dos tempos stalinistas – de suas próprias posições insustentáveis…

Paulo Roberto de Almeida
Brasília,1º de abril de 2006 (que não se perca por isto...)

Final da série!

321) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (3)...

(continuação do post anterior...)

ES: Nesse sentido, ele acredita que o atual quadro político latino-americano reúne as bases para determinação de um novo modelo. “A América Latina é um único lugar do mundo cujo projeto de integração regional tem relativa autonomia dos EUA. Aqui, os EUA estão muito mais isolados”, afirmou.

PRA: Fazendo as contas: os EUA firmaram um acordo dito Nafta em 1993, envolvendo o México, depois adotaram uma “iniciativa para o Caribe” e continuaram a negociar bilateralmente e plurilateralmente. No período recente foram concluídos acordos com o Chile, com a América Central e a República Dominicana, com o Peru e com a Colômbia. Estão em curso negociações com o Equador e, talvez, a Bolívia se interesse também, assim como nossos vizinhos e membros do Mercosul, o Uruguai e o Paraguai, já se declararam dispostos ao mesmo tresloucado gesto. Anteriormente, até a Argentina tinha inclinações nesse sentido, processo revertido com a nova administração Kirshner. A Venezuela, oficialmente desde a assunção de Chávez, se declara virulentamente contra a Alca, o que não demoveu os EUA de continuarem a tecer uma rede de acordos bilaterais e plurilaterais na região. Aparentemente, só restam os dois últimos países e o Brasil que se opõem ao projeto imperial. O que sobrou, então? Por certo, as economias do Brasil, da Argentina e da Venezuela respondem por boa parte do PIB sul-americano, mas falar de América Latina nesse contexto pode parecer exagero.

ES: Sader lembrou que o Continente foi a zona predominante dos experimentos e da disseminação do neoliberalismo nos anos 90. Ele citou a maneira como a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do Brasil, em 1994, foi construída “de fora para dentro” – a exemplo do que aconteceu em outros países da região.

PRA: Certo, mas então esses experimentos falharam rotundamente. Com exceção do Chile, quais países, exatamente, podem ser chamados, hoje, de neoliberais? Quanto À eleição de FHC, em 1994, ser construída de “fora para dentro”, trata-se de uma afirmação pelo menos estranha, na medida em que o FMI não confiava, e até se opunha, ao Plano Real. Ao que se sabe, foi esse o plano de estabilização que elegeu FHC, mais do que qualquer apoio externo, que não se sabe bem de onde poderia ter vindo.

ES: Mas foi também na América Latina, ressalvou Sader, que ocorreram as primeiras grandes crises do neoliberalismo, com a quebra das economias do México, do Brasil e da Argentina. “Além do primeiro grito contra o modelo, dos zapatistas, que levou à formação do Fórum Social Mundial”, completou.

PRA: Essas grandes crises foram, obviamente, as crises financeiras de meados e da segunda metade dos anos 90 e do início de 2000, para a Argentina e o Brasil, mas não se pode dizer que o México e o Brasil romperam com o neoliberalismo, para usar essa terminologia mais do que desgastada. Em todo caso, seria interessante que o professor, assim como os aliados do FSM, nos apresentassem, exatamente, os projetos e programas para uma alternativa não-neoliberal de desenvolvimento (capitalista?). OS zapatistas têm a chave da resposta? Seria preciso explicitar quais as bases do novo modelo. Por outro lado, a América Latina, devido ao seu baixo crescimento, baixa produtividade – o que significa, também, baixo dinamismo econômico – e reduzido grau de competitividade econômica, vem perdendo consistentemente posições e espaço no comércio internacional. Como é que ela poderia, nessas condições, liderar qualquer tipo de movimento contra o neoliberalismo? Com a palavra o professor…

ES: A chegada ao poder de governantes de esquerda ou progressistas em vários países (Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Chile e Bolívia, principalmente), na avaliação de Sader, levou a avanços importantes, como o fracasso da instalação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que estava prevista para janeiro de 2005.

PRA: A Alca já tinha fracassado muito antes da eleição dos novos presidentes do Uruguai, da Bolívai e do Chile – um país que, de resto, continua governado por um(a) socialista – e apresentar um fracasso como um “avanço” representa uma contradição nos termos: no máximo se pode dizer que esses “governantes de esquerda ou progressistas” lutaram pela preservação do status quo, pois é isto o que representa a não-Alca: tudo fica como antes… e nada muda. Se isso é um “avanço importante”, então o imobilismo foi elevado à condição de alavanca da história.

(continua no quarto e último post desta série...)

320) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (2)...

(continuação do post anterior...)

ES: “O destino da América Latina, de alguma maneira, está sendo jogado no Brasil”, afirmou ele. “O retorno da dupla PSDB/PFL (ao governo federal) significa ter no Brasil um enclave bushista pró-neoliberalismo que os EUA não têm hoje no continente”, disse. E enfatizou: “Temos de ganhar a eleição, impedir que o Brasil se transforme numa quinta coluna do poder norte-americano”.

PRA: Puxa vida!: quanta responsabilidade tem o Brasil nessa empresa. Mas se o Brasil faz quase a metade da América Latina não se trata de apenas um “enclave”, mas de um imenso território perdido para o novo modelo de integração, que então se tornaria impossível e seria provavelmente revertido para o modelo do livre-comércio e da Alca. E se por acaso o sucessor de Bush for um oponente democrata, em 2008, então teriamos um democrata neoliberal como aliado deste “enclave” pró-Bush aqui no Brasil? A dupla PSDB/PFL faria a resistência ao novo poder em Washington? Sinceramente, acho essa visão tão simplista que não honra o alegado descortínio político do professor.

ES: Sader lembrou que o fim o mundo “bipolar” nos anos 90 – após a queda do Muro de Berlim – significou a vitória do campo capitalista e provocou regressões nas ações e no discurso na esquerda, a começar pelo objeto principal de embate. “Antes, lutávamos contra o capitalismo. Agora, lutamos contra o neoliberalismo, que é um modelo de capitalismo”, argumentou.

PRA: Apenas querendo entender, novamente: se o capitalismo ganhou, segundo sua própria versão do “fim da história, do socialismo, ele pretende reverter o processo histórico, lutando contra esse novo modelo de capitalismo para chegar onde, exatamente? No velho socialismo enterrado sob os escombros do muro do Berlim? Se a esquerda regrediu, perdendo o que ele chama de “objeto principal de embate” – que é, obviamente, o socialismo, única força opositora do velho capitalismo de guerra – como é que ele pretende que se retome o velho caminho? Trata-se de um combate de retaguarda ou de uma luta reacionária, ou seja, pretendendo retroceder a épocas passadas da humanidade?

ES: De acordo com o professor, além de predominar em toda parte a “versão liberal” do que seja democracia, hegemonizou-se também o estilo de ser capitalista. “A força dos EUA reside muito mais hoje no campo ideológico, na forma mercantil de vida, no estilo de consumo, na marcas, nas corporações. Tudo isso tem grande poder de sedução, inclusive nas camadas mais pobres da população”, disse.

PRA: Sempre querendo entender: o professor pretende uma “versão não-liberal” da democracia, o que se presume seja uma uma modalidade não-liberal, autoritária, totalitária, ou o quê, exatamente? Registro apenas a contradição nos termos. Se ele não consegue definir a sua modalidade de democracia de modo positivo, só podemos presumir algo negativo: uma democracia “não-liberal”, e ficamos com isso. Quanto ao modo mercantil, mais presente na ideologia do que não se sabe bem onde, trata-se, pelo exposto, de um “estilo de ser capitalista”. Se as camadas populares se deixam seduzir, quais seriam as receitas para reverter esse “estilo”: pregar o estilo cubano, venezuelano?

ES: Para Sader, cabem aos movimentos de esquerda e progressistas o debate sobre novas meios de convivência, entre elas a “construção de forças solidárias e humanistas que não sigam o modelo capitalista, que sejam anticapitalistas”.

PRA: Perfeitamente possível, e não apenas possível, como já está em prática há muito tempo. Ao que eu saiba, as forças de esquerda sempre foram anti-capitalistas e não vejo onde está o apelo à novidade.

(continua no próximo post...)

319) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (1)...

Dou início aqui a uma série de quatro posts, nos quais discuto uma exposição de um conhecido acadêmico, dito progressista, numa conferência de relações internacionais organizada pelo PT, em SP, começada no dia 31 de março de 2006.

O capitalismo global, o império neoliberal e a América Latina:
aqui se joga o destino da humanidade?


Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

A julgar pela análise do professor Emir Sader, abaixo desenvolvida – tal como resumida pelo eficiente serviço de imprensa do PT –, o destino da humanidade depende da América Latina, em especial do Brasil, e mais especialmente ainda da reeleição do presidente Lula, sem o que um projeto alternativo ao capitalismo global não mais será possível. Esse tipo de afirmação, de enormes conseqüências práticas, resulta em atribuir uma tremenda responsabilidade política aos líderes de esquerda da América Latina, em especial aos do Brasil e do PT em particular.
De minha parte acredito, modestamente, que trata-se de evidente exagero, e que a “realidade efetiva das coisas”, como diria um filósofo italiano, é bem mais prosaica do que pensa o ilustre acadêmico, e que essa realidade não caminha, necessariamente, no sentido apontado pelo professor. Não apenas creio que ele peca por excesso de otimismo, quanto às possibilidades de contestação do capitalismo global a partir deste continente relativamente marginal para a economia e a política internacionais, como acredito também que a América Latina não será determinante no jogo estratégico e geoconômico global, sobretudo se ela continuar a ser orientada por idéias “fora do lugar”, como as exibidas pelo professor.
Para comprovar, ou não, suas afirmações, em um tipo de exercício que poderia ser chamado de “duelo intelectual à distância”, proponho-me a confrontar essas afirmações – sempre a partir do resumo apresentado no site oficial do PT, em 31 de março de 2006, neste link: http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=42352 – com algumas perguntas e outros questionamentos de minha parte, num esforço analítico que é de natureza tanto conceitual quanto empírica, uma vez que seus argumentos precisam ser submetidos ao teste da realidade.
Os trechos do documento original e aqueles sob minha responsabilidade estarão claramente identificados, respectivamente pelas siglas ES e PRA, ademais da distinção de tipos e formatos das fontes (o que, entretanto, nem sempre aparece em determinados veículos de transmissão e de reprodução de textos).


31/03/2006 - Sader: Destino da AL depende do Brasil

ES: O capitalismo nunca foi tão forte como agora, política e ideologicamente; a correlação de forças internacionais é altamente desfavorável para a esquerda; e os Estados Unidos continuam sendo o eixo econômico do planeta. Mas ainda há esperança para os que acreditam num "outro mundo possível". E ela reside na América Latina – hoje o maior centro de resistência ao modelo neoliberal que se disseminou pelo planeta.

PRA: Apenas entendendo: se o capitalismo nunca foi tão forte e se a correlação de forças nunca foi tão desfavorável, ainda assim o professor quer acreditar que existe uma esperança de se construir um “outro mundo” na América Latina? A despeito de reiteradas afirmações nesse sentido, desde o primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001, não se tem notíciais de quais seriam os contornos, o perfil e muito menos o conteúdo desse “outro mundo” tão alardeado pelos anti-globalizadores. E quais seriam, exatamente, os fatores não apenas de resistência, mas de posterior reversão das fortes tendências globalizantes que, a julgar pela exposição do professor, dominam atualmente o panorama mundial? Veremos no resto da exposição…

ES: A análise é do professor Emir Sader, proferida nesta sexta-feira (31) durante a palestra de abertura da Conferência sobre Relações Internacionais do PT. Seu objetivo, alertar a militância de esquerda para a compreensão da influência internacional na conjuntura local – o que, segundo ele, tem sido desconsiderado nos últimos tempos.

PRA: Não creio que esse aspecto tenha sido desconsiderado, agora ou em qualquer outro tempo. Em todos os encontros do movimento anti-globalizador, os aspectos globalizadores, justamente, têm sido muito mais enfatizados do que os fatores propriamente internos de desenvolvimento das forças econômicas e sociais. Tenho observado muito mais invectivas contra o império e a globalização – e seus males associados, como podem ser o neoliberalismo, o consenso de Washington e a Alca – do que análises profundas sobre os vetores internos ou setoriais desses processos. Durante mais de uma década temos ouvido dizer que os países da região se dobraram, quase de modo submisso, aos ditames de Washington, às imposições das instituições de Bretton Woods, às regras do famoso “consenso”. Não creio, assim, que a afirmação do professor se justifique.

ES: “Os militantes precisam conhecer o termômetro do enfrentamento. Precisamos reconstituir a dimensão internacionalista de nossa luta”, conclamou Sader, dirigindo-se à platéia de 200 pessoas presentes ao primeiro dia do seminário. O encontro acontece na sede da Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (rua Tabatinguera, 278, Centro de São Paulo) e vai até domingo.

PRA: “Reconstituir a dimensão internacionalista dessa luta” é o que mais tem sido feito desde os primeiros movimentos anti-globalizadores, ainda em meados dos anos 90, como no movimento contra o MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos, então negociado no âmbito da OCDE –, nas lutas contra a OMC e as “sisters in the Woods”. Não acredite que falte vontade e ações nesse sentido; em todo caso, os militantes da causa são chamados a perseverar nesses esforços.

ES: Embora tenha críticas pontuais ao governo Lula (a manutenção de tropas brasileiras no Haiti, por exemplo), Sader foi categórico ao afirmar que é “fundamental” reeleger o atual presidente, em outubro, para que o processo de resistência latino-americana – na busca de um modelo próprio de integração regional – tenha continuidade e seja aperfeiçoado.

PRA: Creio que trata-se de um objetivo legítimo, esse do “modelo próprio” de integração – já que sobre o Haiti persistem divergências de fundo, os movimentos de esquerda achando que o governo brasileiro faz o “jogo do imperialismo” – mas para que ele tenha continuidade seria preciso que ele fosse definido de modo mais preciso. Supõe-se que o novo modelo seja feito muito mais de “integração social” do que de integração puramente comercial ou econômica. Mas, assim como a integração comercial pode ser mensurada e avaliada – pelos fluxos de comércio e de investimentos, por exemplo – seria preciso encontrar uma maneira de medir a evolução ou os progressos da integração social que parece ser a preferida pelo professor. Alguma idéia da metodologia a esse respeito?

(continua...)

31 março 2006

318) Uma voz dissidente, no espaço?

O astronauta brasileiro é um anacronismo

Claudio Angelo é editor de Ciência da Folha de SP, onde foi publicado este
artigo:

A viagem de Marcos Cesar Pontes é um grande salto para um bauruense, mas um passo minúsculo para a ciência no Brasil.

Com ela provavelmente nasce e morre o programa espacial tripulado brasileiro, que começou como um delírio megalomaníaco na era FHC e acabou como uma piada no governo Lula.

Programas espaciais tripulados são coisa de gente grande. Herança da Guerra Fria, são executados por nações que têm grandes pretensões geopolíticas -EUA, Rússia e China, coincidentemente também os "top-3" do clube nuclear - ou por aquelas que têm um programa espacial bem desenvolvido em outras áreas.

É o caso da Europa, cujo forte são naves não-tripuladas, como a Huygens, que em 2005 realizou um espetacular pouso em Titã.

O Brasil, claro, não se enquadra em nenhum desses casos. O orçamento do programa espacial nacional equivale a 1/30 do custo de uma única missão euroamericana, a Cassini-Huygens.

É praticamente consenso entre os cientistas que o país ganha muito mais investindo esses recursos parcos em tecnologia de sensoriamento remoto, por exemplo, do que em mandar visitantes ao espaço para realizar pesquisas de balcão. A julgar por declarações do presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Sérgio Gaudenzi, anteontem a esta Folha, o governo sabe disso.

O astronauta brasileiro é um anacronismo. O acordo que permitiu seu treinamento nos EUA foi assinado em 1997, tempo de relações carnais entre o governo brasileiro e os EUA de Bill Clinton, e de criação da AEB. (Um outro acordo com os EUA, esse sim relevante, previa o uso comercial da base de Alcântara, que traria dinheiro para os minguados cofres da AEB. O PT, então oposição no Congresso, vetou o contrato. Alegava razões de "soberania".)

O contrato inicial previa que o Brasil seria o membro "júnior" do consórcio da ISS (Estação Espacial Internacional). O país entregaria aos EUA uma prateleira e outros equipamentos e teria direito a treinar um astronauta para voar num ônibus espacial.

As peças, orçadas inicialmente em US$ 120 milhões, deveriam ser o passaporte para a certificação pela Nasa de empresas brasileiras de alta tecnologia. Nunca foram entregues. O incremento tecnológico que a ISS deveria trazer ao Brasil não se concretizou. (Hoje, graças a uma manobra de Pontes, algumas peças estão sendo produzidas pelo Senai, instituição que dificilmente integraria um pólo de tecnologia de ponta.)

Com o acidente com o ônibus espacial Columbia, em 2003, corria-se o risco de micar também com o astronauta, o que seria o atestado final de incompetência do país. Nesse contexto surge a "carona paga" com os russos.

A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) criticou a decisão de torrar R$ 23 milhões com um vôo de propaganda. Afinal, que ninguém se iluda, os experimentos que o astronauta brasileiro leva a bordo da Soyuz estão bem longe de ser um avanço para a ciência nacional.

A crítica é procedente, mas tem um quê de injustiça. Compare-se esse custo, com o perdão do cinismo, aos R$ 55,9 milhões do valerioduto. Se uma única criança, inspirada por Pontes, escolher seguir carreira em ciências, terá valido a pena. Desde que ela não resolva ser astronauta no Brasil.
(Folha de SP, 31/3)

317) O maior estadista do século XX...e (até agora) do XXI também



No próximo dia 2 de abril fará um ano do falecimento do Papa João Paulo II, conhecido, antes de 1978, quando foi eleito na sucessão de João Paulo I, como Cardeal Karol Woytilla, polonês de origem, homem que conheceu boa parte das tragédias do século XX, nas quais sua Polônia natal esteve involuntariamente e invariavelmente envolvida.
A implosão do comunismo foi estruturalmente provocada pelo seu anacronismo econômico e sua decrepitude política, mas se houve alguma centelha que começou a incendiar a pradaria esta foi, sem dúvida, muito antes da "glasnost" de Mikhail Gorbachev, a mensagem do Papa sobre a liberdade fundamental do ser humano, negada pelo sistema comunista da então União Soviética (passou desta para pior, com a ajuda dele...).
Creio que devemos reconhecer, tanto para a própria época quanto post-factum, quando temos o benefício do chamado hindsight, que ele foi um dos maiores estadistas do século XX, provavelmente tão grande quanto Roosevelt ou Churchill, com a vantagem de não dispor o papa de nenhuma divisão blindada -- como perguntaria Stalin --, armado como ele sempre esteve de sua simples força moral, de seu exemplo e de sua palavra. Talvez por isso mesmo ele provavelmente foi o maior estadista do século XX (e até agora também do nosso), dentro todos aqueles que moldaram o mundo como ele existe hoje. Karol mobilizou corações e mentes, não soldados, mas sua eficácia foi talvez decisiva no grande reordenamento mundial a que assistimos nas duas últimas décadas do século XX, vinte anos que abalaram o mundo.
Salve João Paulo II, que sua memória possa nos iluminar.

PS: Artigo de opinião no New York Times deste domingo:

The Road to Canonization Is Paved With Humanity
By JAMES MARTIN
Published: April 2, 2006

SANTO subito!" shouted the crowds in St. Peter's Square at the funeral of Pope John Paul II, who died a year ago today. For a moment it seemed like the church might dispense with its arduous canonization procedures and declare John Paul a saint before the adoring throngs had even left Rome. But Pope Benedict XVI is nothing if not a lover of tradition — and Catholic tradition demands a careful investigation into whether a candidate for sainthood lived a life of "heroic virtue," not to mention hard-nosed proof of two miracles.

As with many traditions, it wasn't always so. Christians martyred under Roman persecution were honored almost immediately after their deaths, with local Christians commemorating the anniversaries of their martyrdom. Until around the 12th century, local churches and bishops made saints, not Rome. But in 1170, Pope Alexander III sent a stinging missive to King Canute of Sweden, berating a bishop for tolerating devotion to a local saint who, Alexander believed, had been killed in a drunken brawl. Thereafter no public veneration could take place without the approval of the pope, and the Vatican began to assume control of canonizations to ensure that the saints were, well, saintly.

Little wonder that in today's popular imagination, the saints are a dull lot: ascetic types who, when not on their knees in prayer, doled out gruel to the poor or founded religious orders. Hardly the sorts one would want to spend a weekend with. For some devout Catholics, the saints were perfect. And perfect means boring.

But even a cursory perusal of the lives of the saints reveals otherwise. When Thomas Aquinas, the great medieval theologian, decided to enter the Dominican order in the 13th century, his family was enraged. (They preferred the more prestigious Benedictines.) His mother ordered Thomas's brothers to waylay him on a roadside, kidnap him and toss him into the dungeon of the family castle.

While he languished in his cell, his family sent Thomas a prostitute to tempt him from his vocation. Thomas seized a burning poker from the fireplace and chased her out of the room. Finally worn out, his family relented and allowed Thomas to enter the Dominican order in 1245. The life of Thomas Aquinas was many things. Dull is not one of them.

Most of the saints and blesseds were also not, contrary to contemporary stereotypes, humorless. "I'd rather laugh with the sinners than cry with the saints," sang Billy Joel a few decades ago. Yet it is unlikely that the saints would have attracted many followers without vibrant personalities and a sense of humor like that of Pope John XXIII, who was beatified, the step before canonization, in 2000. When once asked by a journalist how many people worked in the Vatican, John replied, "About half of them."

Saints were flawed, too. For this reason, it is unfortunate that some of John Paul's admirers wrongly see posthumous admissions of the late pope's shortcomings as blots on his saintly copybook. The saints were neither perfect nor divine — they were refreshingly human. They could be disagreeable and even testy.

When Francis of Assisi stumbled upon a small house that his Franciscan brothers had fashioned for themselves, he became enraged at what he saw as their luxurious lifestyle, clambered onto the roof and began tearing the building apart. As the saying goes, the martyrs are sometimes the ones who live with the saints.

John Paul, though a prayerful man of unshakeable faith, was not perfect either. Despite his many towering achievements in the church and on the world's political stage, there were some things he left undone during his long pontificate. He was unable to stanch the flow of Catholics from the church in Western Europe; he failed to make some women (not to mention many gays and lesbians) feel welcome in the church; he appointed most of the bishops responsible for the sexual abuse crisis in this country; and he presided over a curia that sometimes failed to treat several distinguished theologians with respect. But while John Paul himself may not have seen those as failings, he was realistic enough about his own limitations to make sure that he went to confession every Saturday.

A perfect pope? Maybe not. But a saint, more than likely. John Paul should enjoy a speedy canonization process, and his "cause," as they say in Rome, will probably flow as smoothly as has that of a contemporary, the woman now known as Blessed Teresa of Calcutta.

Shortly after his election, Pope Benedict waived the normally required five-year wait before John Paul's cause could begin. Vatican officials are now sifting through his writings and awaiting medical confirmation of any reported miracles attributed to his intercession. Just last month it was announced that after her community had prayed for John Paul's help, a French nun had been healed of Parkinson's disease — the malady that afflicted the pope at the end of his life.

In a few years, then, we may find ourselves at a wedding, baptism or funeral at the Church of St. John Paul II, where his pious face will shine down on us from a stained-glass window. When we do, we should remember that, like all the saints, Pope John Paul was not just holy, but human, too.

James Martin, a Jesuit priest, is the author of "My Life with the Saints."

316) Da nobre (e pouco usual) arte de atirar no próprio pé...

Existe todo tipo de arte no mundo e, de fato, não existe "uma" atividade humana chamada arte, mas diversas artes em diferentes categorias, das mais convencionais às mais estranhas, algumas bizarras mesmo.
Todos já ouvimos falar da arte de abrir o próprio ventre com um punhal ritual, o tradicional harakiri japonês, mas esta "arte" é feita com a clara intenção de retirar sua presença do mundo, após o que se considera a suprema ignomínia cometida contra o próprio país, algum ato extremamente reprovável contra si mesmo e sua honra, contra a família, e outros motivos de alto significado moral.
Não creio que essa arte tenha algum dia a chance de prosperar entre nós, a não ser por modalidades involuntárias, tipo desempenhar certas atividades depois de uma lauta feijoada regada a sabe-se lá que aditivos e estimulantes...

Existe em contrapartida uma outra "arte" muito praticada entre nós, sobretudo em momentos de confusão moral, de clara indefinição quanto aos modos de reagir em face de determinadas adversidades surgidas como que de repente, quando a reação do momento é intempestiva e mal pensada. Claro, a melhor recomendação seria uma reflexão ponderada sobre os dados do problema e uma reação proporcionado à amplitude do dano detectado, mas nem sempre esse tipo de racionalidade, mesmo "instrumental", está à disposição de certas mentes.
Surgem, portanto, as reações inusitadas, que podem implicar, como indicado no título, um "tiro no próprio pé".
Trata-se, obviamente, de um incidente, ou de um acidente, mas podem ocorrer casos piores.

Refiro-me à ação deliberada, a decisão consciente de praticar um gesto que, com toda certeza, envolverá a amputação involuntária de alguma falange inferior.
De fato, temos observado ultimamente que determinados personagens de nossa história política têm-se especializado nessa arte que não sei se tenho o direito de chamar de nobre, pois existem atiradores profissionais que não tolerariam tal concorrência desleal e indevida com seu hobby ou atividade costumeira.

Tudo indica que os personagens em questão, confrontados a um determinado problema (ou vários), tenham dito: "Sinto muito, mas eu tenho de matar esta formiga que se aproxima perigosamente do meu pé". E aí é aquela coisa: "Bum! Ai!".
Pois é, deve doer, mas os personagens em questão devem ter chegado à conclusão que seria melhor isso do que ver a formiga subindo perigosamente no pé, daí passando perigosamente para a perna e sabe-se lá aonde mais ela poderia se enfiar...

Mais surpreendente ainda é ver que, em algumas ocasiões, os personagens em questão não se contentam em acertar no próprio pé, e se dedicam à arte ainda mais difícil (e dolorosa) de acertar na rótula...
Não sei se é por inconsciência, má pontaria ou por incompetência mesmo, mas que deve ser chato, isso deve ser...

Se o indivíduo em questão o fez por absoluta necessidade moral, algum sacrifício eventual por alguma causa superior, a gente ainda poderia dar um certo desconto e dizer, "pois é, de vez em quando esses sacrifícios são necessários..."
Mas, se ele o fez por absoluta má-fé, por desejo consciente de enganar todo mundo, só podemos dizer, como os franceses, "tant pis... débrouillez-vous...".

30 março 2006

315) Ufa, pessoal! Estamos salvos, por mais algum tempo...

In a unanimous vote, the Federal Election Commission decided that political websites, such as internet blogs, can remain broadly unregulated in what they publish (except for paid political advertising).

Mas isso é nos EUA, onde todos temos os nossos blogs...
Já em outros países...

314) Um artigo de Jimmy Carter sobre a proliferação nuclear

Neste artigo, o ex-presidente Jimmy Carter expõe seus argumentos sobre a questão da proliferação nuclear em geral e sobre o acordo de cooperação nuclear EUA-Índia em particular, condenando a postura da atual administração americana a este respeito.
Ele só comete dois pequenos erros, um factual -- a data de assinatura do TNP (1968 e não 1970)-- e outro político: acreditar que o Brasil possa ser levado a desenvolver armas nucleares, uma vez que estaria tecnicamente habilitado a isso e poderia ser levado a fazê-lo em vista dos desenvolvimentos recentes, perigosos, observados a esse respeito.
No mais, seus argumentos são todos ponderáveis e merecem reflexão.

A Dangerous Deal With India
Jimmy Carter
The Washington Post, 29 March 2006

During the past five years the United States has abandoned many of the nuclear arms control agreements negotiated since the administration of Dwight Eisenhower. This change in policies has sent uncertain signals to other countries, including North Korea and Iran, and may encourage technologically capable nations to choose the nuclear option. The proposed nuclear deal with India is just one more step in opening a Pandora's box of nuclear proliferation.
The only substantive commitment among nuclear-weapon states and others is the 1970 Non-Proliferation Treaty (NPT), accepted by the five original nuclear powers and 182 other nations. Its key objective is "to prevent the spread of nuclear weapons and weapons technology... and to further the goal of achieving nuclear disarmament." At the five-year U.N. review conference in 2005, only Israel, North Korea, India and Pakistan were not participating -- three with proven arsenals.
Our government has abandoned the Anti-Ballistic Missile Treaty and spent more than $80 billion on a doubtful effort to intercept and destroy incoming intercontinental missiles, with annual costs of about $9 billion. We have also forgone compliance with the previously binding limitation on testing nuclear weapons and developing new ones, with announced plans for earth-penetrating "bunker busters," some secret new "small" bombs, and a move toward deployment of destructive weapons in space. Another long-standing policy has been publicly reversed by our threatening first use of nuclear weapons against non-nuclear states. These decisions have aroused negative responses from NPT signatories, including China, Russia and even our nuclear allies, whose competitive alternative is to upgrade their own capabilities without regard to arms control agreements.
Last year former defense secretary Robert McNamara summed up his concerns in Foreign Policy magazine: "I would characterize current U.S. nuclear weapons policy as immoral, illegal, militarily unnecessary, and dreadfully dangerous."
It must be remembered that there are no detectable efforts being made to seek confirmed reductions of almost 30,000 nuclear weapons worldwide, of which the United States possesses about 12,000, Russia 16,000, China 400, France 350, Israel 200, Britain 185, India and Pakistan 40 each -- and North Korea has sufficient enriched nuclear fuel for a half-dozen. A global holocaust is just as possible now, through mistakes or misjudgments, as it was during the depths of the Cold War.
Knowing for more than three decades of Indian leaders' nuclear ambitions, I and all other presidents included them in a consistent policy: no sales of civilian nuclear technology or uncontrolled fuel to any country that refused to sign the NPT.
There was some fanfare in announcing that India plans to import eight nuclear reactors by 2012, and that U.S. companies might win two of those reactor contracts, but this is a minuscule benefit compared with the potential costs. India may be a special case, but reasonable restraints are necessary. The five original nuclear powers have all stopped producing fissile material for weapons, and India should make the same pledge to cap its stockpile of nuclear bomb ingredients. Instead, the proposal for India would allow enough fissile material for as many as 50 weapons a year, far exceeding what is believed to be its current capacity.
So far India has only rudimentary technology for uranium enrichment or plutonium reprocessing, and Congress should preclude the sale of such technology to India. Former senator Sam Nunn said that the current agreement "certainly does not curb in any way the proliferation of weapons-grade nuclear material." India should also join other nuclear powers in signing the Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty.
There is no doubt that condoning avoidance of the NPT encourages the spread of nuclear weaponry. Japan, Brazil, Indonesia, South Africa, Argentina and many other technologically advanced nations have chosen to abide by the NPT to gain access to foreign nuclear technology. Why should they adhere to self-restraint if India rejects the same terms? At the same time, Israel's uncontrolled and unmonitored weapons status entices neighboring leaders in Iran, Syria, Turkey, Saudi Arabia, Egypt and other states to seek such armaments, for status or potential use. The world has observed that among the "axis of evil," nonnuclear Iraq was invaded and a perhaps more threatening North Korea has not been attacked.
The global threat of proliferation is real, and the destructive capability of irresponsible nations -- and perhaps even some terrorist groups -- will be enhanced by a lack of leadership among nuclear powers that are not willing to restrain themselves or certain chosen partners. Like it or not, the United States is at the forefront in making these crucial strategic decisions. A world armed with nuclear weapons could be a terrible legacy of the wrong choices.

29 março 2006

313) Você acha que eles são americanos, estado-unidenses ou simplesmente "gringos"?

Meu colega historiador e particular amigo Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos, que nunca está parado, acaba de "cometer" (no sentido espanhol do termo) um delicioso artigo sobre a etimologia do gringo, ou melhor, sobre como devem ser chamados esses red-necks da América do Norte, tão invejados quanto criticados por gregos e goianos.
Veja você mesmo sua mensagem, a mim dirigida, e mais abaixo o começo do artigo:

Paulo meu caro,
Saiu um artiguinho meu na revista eletrônica do Centro de Américas da Universidade de Vanderbilt. O título é "American, United Statian, USAmerican, or Gringo?". Acho que ficou bem simpático, ainda que (ou talvez por causa disso) bem "levinho" em termo acadêmicos.
Se vc tiver tempo, dê uma olhada:
http://ejournals.library.vanderbilt.edu/ameriquests/viewarticle.php?id=21&layout=abstract
Abração,
Luís Cláudio

AMERICAN, UNITED STATIAN, USAMERICAN, OR GRINGO?
Luís Cláudio Villafañe G. Santos
AmeriQuests > Vol. 2, No. 1 (2005)

A little cultural war passed almost unnoticed in cyberspace at the end of March 2002. The first salvo of that war was fired by Thomas Holloway in an e-mail posted at the H-LatAm[1] discussion list on March 26th. He asked for an alternative to the word “American” when referring to people from, or citizens of, the United States of America.[2] The fact that the citizens of the United States call themselves “Americans” causes discomfort for many Latin Americans, who see the appropriation by the United States citizens of the collective identity of all peoples and countries of the continent as a clear act of cultural imperialism. In fact, the thirty-four other countries of the hemisphere can claim to be as "American" as the United States.

Leia o resto neste link.

312) Novos títulos no mercado de livros...

Já tivemos um Elogio à loucura, de Erasmo, já tivemos um Droit à la paresse, do genro de Karl Marx, Paul Lafargue, já tivemos também In praise of idleness, do agnóstico militante Bertrand Russell...

Pois eu andei pensando em outros títulos, mais adaptados à nossa época:

Elogio da Hipocrisia

Homenagem à mentira

Louvando a desfaçatez

O direito de ficar calado (with a little help from our friends of the Supreme Court...)

Cultivando ativamente a apatia ao trabalho

A arte de ficar alheio a tudo

Como ser um cara-de-pau em dez lições


Existem outros títulos disponíveis, mas acho que vou reservar para eventual copyright de obra destinada a ensinar como influenciar pessoas e aumentar o seu capital sem fazer esforço...

28 março 2006

311) Virtudes pouco mundanas... (uma reflexão para os que compreendem a natureza humana)

Transcrevo abaixo artigo publicado na Folha de São Paulo desta terça-feira, 28 de março de 2006, pelo embaixador José Alfredo Graça Lima, atual Consul-Geral do Brasil em Nova York:

Virtudes casadas
JOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMA
Folha de São Paulo, 28 de março de 2006

Há quem confunda humildade com subserviência, temeridade com coragem. Engano. Ser humilde é ter respeito pelo próximo, seja qual for seu status, sua cor, sua procedência. Ser humilde é também reconhecer que, por mais inteligentes, por mais educados, por mais ricos ou por mais poderosos que possamos ser, estamos ainda muito distantes da perfeição e sempre podemos aprender com nossos semelhantes, por mais desprovidos que sejam. Riqueza e poder, de resto, pela capacidade que têm de corromper, freqüentemente se convertem de ativo em passivo, causam dependência e apequenam a alma.
Ser humilde é, além disso, prestar serviço sem exigir reciprocidade, de maneira discreta, contida, como uma obrigação auto-imposta, mas cumprida com prazer. É, finalmente, celebrar a vitória do seu time pelos méritos dos atletas vencedores, sem tripudiar sobre os adversários e, muito menos, ferir-lhes os brios. (O futebol, parte fundamental da vida, não pode ser metáfora para a própria vida, que mais se assemelha, como entendia Shakespeare, a uma peça de teatro cuja direção obedece a princípios e regras básicos, mas que está permanentemente sujeita à improvisação derivada do exercício do livre-arbítrio).
Não se deve ser, porém, humilde de forma absoluta. Em primeiro lugar, porque inexiste, na natureza humana, o que se poderia chamar de qualidade total, se não em prejuízo do exercício de outras virtudes que se exigem para viver em harmonia dentro da sociedade. A própria justiça, como já sacavam os antigos romanos, é passível de distorção, caso ministrada sem considerar atenuantes ou sem comportar um elemento de compaixão. A humildade, da mesma forma, há que ser temperada ou moderada pela coragem, que é o sereno desprendimento na defesa dos direitos contra a irracionalidade da violência.

É coragem, e não astúcia ou sagacidade, que se requer dos que detêm posição de liderança. Coragem para ser ético

O emprego da força ou da intimidação moral não se combate, no plano pessoal, com os mesmos métodos, sob pena de agravar o mal ou de comprazer-se com a vingança. Em casos extremos, a autoridade repressora se encarregará de proteger os inocentes; também em circunstâncias excepcionais, justificar-se-á a legítima defesa. Mas, no dia-a-dia, no convívio civilizado entre pessoas que ganham a vida honestamente, o que Jesus e Gandhi pregaram e praticaram foi a resistência passiva, a não-violência, o repúdio ao revide e ao talião. Homens livres, independentes, sem nada a temer porque sem nada a dever, Jesus e Gandhi foram corajosos a ponto não só de padecer pela falta de compreensão como também de perdoar os seus algozes.
Pois a coragem está justamente em superar os próprios preconceitos e as próprias tentações, e, além de justo, ser magnânimo. Nada se perde com a remissão das ofensas; ao contrário, o perdão é ganhador, especialmente em resposta ao arrependimento. Até mesmo no comércio internacional, em que prevalece o princípio básico do equilíbrio entre direitos e obrigações, suspender concessões para compensar a violação de compromissos equivale a atirar no próprio pé, sem obter satisfação para o(s) setor(es) afetado(s). Na hipótese de uma medida violatória ter que continuar em vigor, deveria caber compensação de valor equivalente, negociada de boa-fé entre as partes interessadas.
É coragem, e não astúcia ou sagacidade, que se requer dos que detêm posição de chefia ou de liderança. Coragem pessoal para ouvir, orientar, reconhecer o erro, ser paciente, aceitar as responsabilidades e repartir os benefícios. E coragem política para arcar com as conseqüências de ser democrata, multilateral e, acima de tudo, ético.
Decisões corajosas, que visam transformar o presente para garantir o futuro, raramente são apoiadas por setores ou corporações, cujos interesses são muitas vezes imediatistas e até avessos a reformas que impliquem redução de custos e mudanças na repartição dos frutos do crescimento econômico, visando a torná-la mais eqüitativa. Mas, se são esses os objetivos permanentes de todo Estado que se respeita e que pretende ser respeitado pela comunidade das nações, é preciso estar à altura do desafio, por mais perverso que possa ser, mais adiante, o julgamento popular. Não há decisões sem riscos; é, ao mesmo tempo, saudável e gratificante proceder de forma despojada, sem expectativas de ganhos materiais ou políticos.
Virtudes não teologais -como são a fé e a esperança-, a humildade e a coragem, faces de uma só medalha, constituem, a exemplo da caridade, expressões de consideração para com o próximo, ditadas pela consciência e destituídas de segundas intenções. Tratar a si próprio com o rigor da razão e a todos com o coração humilde é a melhor receita para fortalecer o organismo e alcançar a paz de espírito.

José Alfredo Graça Lima, 60, diplomata, é cônsul-geral do Brasil em Nova York (EUA). Foi subsecretário-geral de Integração Econômica e Comercial do Ministério das Relações Exteriores (1998-2002) e chefe da Missão Permanente do Brasil junto à União Européia (2002-2005).

310) Imprecisão terminológica...

Da Agência Estado, 28 de março de 2006 - 19:45

"Líder petista defende desempenho da Caixa
'O erro não anula o que as pessoas fizeram de bom', disse a senadora Ideli Salvatti."

Como erro? Violação de conta virou erro?
Seria preciso fazer um Glossário de termos da "novilíngua" ou então um Novíssimo Dicionário de Imprecisões Terminológicas Em Vigor no Cerrado Central...

PS.: mais duas imprecisões termonológicas:

"Diário Oficial traz exoneração "a pedido" de Palocci e Mattoso
Publicidade
da Folha Online, 28/03/2006 - 11h12

A exoneração de Antonio Palocci foi publicada na Seção 2 da edição de hoje do "Diário Oficial" da União. De acordo com o despacho publicado, Palocci foi exonerado "a pedido".
Na linguagem dos diários oficiais, o termo "a pedido" significa que os exonerados pediram para deixar seus cargos --ou seja, não foram demitidos.
Palocci pediu afastamento do cargo ontem depois do agravamento da crise deflagrada pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. O caseiro contradisse Palocci na CPI dos Bingos ao afirmar que ele era freqüentador da casa alugada em Brasília pelos ex-assessores de Ribeirão Preto para fechamento de negociatas e festas com prostitutas. Palocci negou à CPI ter ido à casa.
A edição de hoje do "Diário Oficial" da União também traz a exoneração "a pedido" de Jorge Mattoso, que ocupava a presidência da Caixa Econômica Federal. Mattoso colocou seu cargo à disposição após depor na Polícia Federal. Em seu depoimento, ele admitiu ter ordenado a impressão do extrato do caseiro e ter entregue esse documento "em mãos" para Palocci."

Eu vou pedir para ser "exonerado" do Imposto de Renda, mas não sei se o Imposto de Renda vai achar que eu estou cometendo uma "imprecisão terminológica"...

309) A frase do dia

"Ficou provado que o lado mais fraco não é o de um simples caseiro. É o da mentira".
Dixit: caseiro Francenildo.

308) Perguntar não ofende...

O meretíssimo senhor juiz Eros Grau (valha o nome) suspendeu a acareação do discretíssimo presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, com seu denunciante, o demitidíssimo (do PT, em 1995) Paulo de Tarso Venceslau, porque o pedido da CPI dos Bingos (valha o apelido) não estava "bem fundamentado"...

Pois bem: que tal se o mesmo meretíssimo (valha a imaginação) suspendesse a demissão do ministríssimo Palocci porque o pedido não estava "bem fundamentado"...
Afinal de contas, ele só pediu "afastamento", sendo injusta, além de legalmente inapropiada, a demissão...
Se o doutor Eros pedir, eu preparo um arrazoado bem fundamentado a esse respeito...

307) Crime, no Brasil, não é bem crime...

Do blog do Noblat, nesta segunda borrascosa de Brasília, 27 de março de 2006:

"27/03/2006 ¦ 18:53
O crime, segundo Mattoso
Tudo se passou na noite da quinta-feira, dia 16, segundo contou Jorge Mattoso, ainda presidente da Caixa Econômica Federal, em seu depoimento, esta tarde, à Polícia Federal.
Ele estava jantando em um restaurante de Brasília, quando soube por meio de Ricardo Schumann, seu assessor, que a conta-poupança do caseiro Francenildo registrara "movimentações atípicas".
Mattoso deu ordem para que se tirasse um extrato da conta. E, de posse dele, foi ao encontro de Palocci, na casa oficial do ministro da Fazenda, no Lago Sul.
Uma fonte da Polícia Federal disse há pouco a Gustavo Noblat, repórter do blog, que o ato praticado por Mattoso não configura crime. Que o ato de Palocci ver o extrato também não configura crime.
O crime se configurou quando os dados da conta do caseiro foram repassados para a revista Época.
A conferir se a fonte tem razão."

PRA: Curiosa noção de crime: O presidente de um banco pode xeretar quanto quiser a conta de um cidadão seu cliente, copiar extratos e levar para casa para, digamos "estudar", comentar com sua mulher, o vizinho...
Ele só não pode passar para uma revista...
Vale uma consulta ao STF?
Algum meretíssimo vai dizer que, de fato, não foi crime: o banqueiro tem por função controlar "movimentos atípicos", digamos assim...
Agora imaginem se, em lugar de dar a um jornalista, o banqueiro distraído deixa cair o extrato em alguma calçada qualquer. Algum meretíssimo vai dizer que foi mero acidente?
O Brasil sempre me surpreenderá...

306) Uma carta comentada (por isso ela vale mais...)

Transcrevo a matéria do jornal e, no meio, insiro meus comentários: entre colchetes e em itálico:

Íntegra da carta enviada pelo ex-ministro Palocci ao presidente Lula
(Agência Estado, 27 março 2006, 21h00)

Brasília - O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci entregou, na tarde desta segunda-feira, uma carta ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, solicitando seu afastamento do cargo. [Trata-se de uma nova figura jurídica ou de estilo? Afastamento quer dizer o que?: o ministro vai dar um passeio na esquina e depois ele volta? Por que ele não se demitiu, tão simplesmente?] O teor do texto somente foi aberto à imprensa horas depois, quando o pedido já havia sido aceito por Lula. [Segundo outras informações, o ministro só redigiu a carta pedindo "afastamento" depois que o presidente já tinha decidido demiti-lo, ou "afastá-lo", segundo a "imprecisão terminológica do ministro.]

Em princípio, a assessoria do ministério soltou uma nota confirmando a entrega da carta, sem, contudo, revelar sua íntegra. O ministério apenas sugeriu que a imprensa se ativesse ao termo "afastamento", redigido na nota. Pouco depois, foi confirmada a saída de Palocci e sua substituição por Guido Mantega, então presidente do BNDES e ex-ministro do Planejamento. [Vocês, por favor, não estranhem, se eu solicitar meu "afastamento" temporário deste blog: fui à esquina e já volto...]

Leia a íntegra da carta:

"Brasília, 27 de março de 2006
A Sua Excelência o Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil
[Nada a comentar]

Senhor Presidente e amigo,
Peço a Vossa Excelência meu afastamento, nesta data, do cargo de Ministro de Estado da Fazenda. [O presidente redigiu um decreto de "afastamento"?]

Desde 1º de janeiro de 2003, trabalhei incansavelmente para corresponder à confiança com que Vossa Excelência me honrou ao escolher-me para servir ao seu lado como executor da política econômica de seu governo. Dei o melhor de mim, sem medir esforços. [Nisso, sem dúvida, justiça seja feita ao ministro.]

Estou convencido, porém, de que minha permanência no Ministério da Fazenda, neste momento de exacerbado conflito político, e quando sou alvo de todo tipo de maldades e acusações, não mais contribui para o avanço da obra do governo de Vossa Excelência, nem serve ao melhor interesse do Brasil. [Acusações, sim, maldades, parece exagero. O ministro foi sempre muito bem tratado pelo oposição, até mais do que deveria, tendo faltado com a verdade, como ele sabe que faltou, por diversas vezes, ainda que inconscientemente traído por suas "imprecisões terminológicas".]

Desde agosto do ano passado, iniciou-se um movimento sistemático para lançar dúvidas e suspeitas sobre o meu trabalho e a minha pessoa. Durante todo o final de 2005, procurei, por meio da imprensa e de três visitas sucessivas ao Congresso Nacional, esclarecer toda sorte de questões lançadas a meu respeito. No início deste ano, compareci perante comissão parlamentar de inquérito do Senado Federal, antes mesmo de ser convocado, para prestar esclarecimento amplo e direto sobre todas essas questões. [Desde agosto do ano passado, avolumam-se os indícios de que alguém estava faltando com a verdade, numa série de episódios rocambolescos que em nada devem às supostas maldades da oposição, mas que são inteiramente produzidos por acusações de alguns membros da tribo que ruidosamente ocupou o cerrado central, vinda de plagas mais discretas no interior paulista.]

Julguei haver refutado, naquele momento, em termos objetivos, a inconsistência das acusações e ter restabelecido as condições de trabalho deste Ministério. Entretanto, Senhor Presidente, a luta política se exacerbou nas últimas semanas e questões já superadas foram trazidas novamente à pauta. Tenho lidado com esta situação procurando sempre preservar a economia dos efeitos da luta política, assim como todo o trabalho do nosso Ministério. Entretanto, tornou-se cada vez mais difícil manter esta conduta, pois, em momentos de tal turbulência, os argumentos, as explicações e as ponderações perdem valor diante de acusações descabidas e conclusões apressadas. [O ministro foi refutado não pela exacerbação das lutas políticas, mas pelo sereno depoimento de um "simples caseiro", que disse com todas as letras, e sustentaria o que disse "até morrer", apenas isto: "O ministro mentiu!"]

Mais recentemente, episódio na Caixa Econômica Federal trouxe novamente a este Ministério pressões que tornaram impossível a continuidade regular do meu trabalho. Quero esclarecer, Senhor Presidente, que não tive nenhuma participação, nem de mando, nem operacional, no que se refere à quebra do sigilo bancário de quem quer que seja. Reafirmo ainda que não divulguei nem autorizei nenhuma divulgação sobre informações sigilosas da Caixa Econômica Federal. Sou consciente das leis e da responsabilidade do meu cargo. Sou consciente das regras da democracia e do Estado de Direito. [O "episódio" da Caixa não foi inventado, criado ou produzido pela oposição "maldosa", mas foi feito a 100% nas próprias fileiras da situação, um escandalo "made at home", na continuidade de outros episódios parecidos. Desta vez, os companheiros não se contentaram em atirar no próprio pé: eles tiveram a inacreditável pontaria de acertar na própria rótula: assim, ninguém aguenta ficar de pé...]

Foi com esta postura que realizamos um trabalho forte de estabilização da economia brasileira. Durante estes três anos e três meses, não houve lugar para malfeitos de qualquer ordem. Digo isto em meu nome e, tenho certeza, no nome de todos os secretários que comigo conduziram este trabalho. Tenho orgulho de haver colaborado para a implementação da exitosa política econômica de Vossa Excelência, que tanto contribuiu para a estabilidade de nossa economia, com claros benefícios para as parcelas mais pobres de nosso povo. [Os "malfeitos" de nenhumam forma se referem à condução da política econômica, que de certa forma foi correta, ainda que sem imaginação; mas a estabilidade foi preservada, e por isso devemos render homenagem ao ministro. Os "malfeitos" têm diversas facetas, entre elas o transporte de dólares, mas eles podem ser resumidos num único gesto: "O ministro mentiu!"]

O controle definitivo da inflação, os números recorde de geração de emprego, a evolução do crédito, a boa administração da dívida pública e, particularmente, o espetacular desempenho das contas externas do País são conquistas do Brasil para as quais muitos governos colaboraram e seu governo consolidou. Estou extremamente feliz por haver contribuído para alcançar esses resultados. O Brasil está mais forte, mais preparado e maduro, para, sob a liderança de Vossa Excelência, seguir adiante trilhando esta política, no caminho do desenvolvimento econômico e social. [O ministro merece, por tudo isso, o prêmio "operário do ano", ou "executivo", como ele preferir, ainda que ele talvez não disponha de condições para voltar ao convívio normal com a sociedade organizada, pelo futuro imediato...]

Tomo a decisão de pedir o meu afastamento com tranqüilidade. A consistência do trabalho feito e a solidez da economia brasileira me dão a certeza de que a estabilidade do país e de suas instituições não depende da pessoa do Ministro da Fazenda e sim das políticas definidas por Vossa Excelência. Sempre servi ao governo de Vossa Excelência sem personalismos nem ambições pessoais. Minha dedicação e minha energia sempre estiveram voltadas para o progresso do Brasil e de seu povo. Esta é a mesma convicção da honrada equipe do Ministério da Fazenda e, tenho certeza, do próximo ministro que Vossa Excelência escolherá. [Acho que o ministro cometeu aqui, no caso do seu pedido de "afastamento", mais uma "imprecisão terminológica". Talvez seja a última, a não ser que CPIs e delegados de polícia lhe concedam mais algumas vezes esse direito...]

Respeitosamente, e com toda a gratidão.
Antonio Palocci Filho
Ministro de Estado da Fazenda"

[Uma carta solicitando "afastamento" tem direito ao Diário Oficial? Com a palavra algum togado meretíssimo...]

305) Fazendo justiça com as próprias mãos (por vezes, os pés também...)

O Brasil é, seguramente, um dos poucos países no mundo no qual os juizes não se contentam, modestamente, em interpretar as leis, apenas. Eles se esforçam também por criá-las, inventar regras, determinar condutas, ditar o que os outros podem ou não podem fazer. Se deixarmos, eles mesmos é que vão, por exemplo, formular as perguntas que as CPIs devem fazer aos inquiridos...
Não acreditam? Vejam a matéria abaixo:


Agência Estado, 27 Março 2006, 20h00

Supremo proíbe acareação entre Okamoto e Venceslau na CPI
Presidente do Sebrae é acusado pelo economista de ter comandado um esquema de caixa 2 nas prefeituras do PT


Mariângela Galucci

BRASÍLIA - Em mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal que atrapalha as investigações em curso no Congresso sobre as denúncias de corrupção no governo Lula, o presidente Sebrae, Paulo Okamotto, conseguiu se livrar do compromisso de comparecer nesta terça-feira à CPI dos Bingos. O ministro Eros Grau, do STF, concedeu na noite desta segunda-feira à noite uma liminar para que Okamotto não seja obrigado a prestar o depoimento marcado para às 11 horas de terça-feira.

Em seu despacho, o ministro disse que a CPI aprovou um requerimento para realização de acareação entre Okamotto e o economista Paulo de Tarso Venceslau, que acusa o presidente do Sebrae de ter comandado um esquema de caixa 2 nas prefeituras do PT. Segundo Eros Grau, porém, o ato da CPI que convocou Okamotto previa apenas um depoimento. "No caso, há flagrante desvio de finalidade e, por isso mesmo, afronta à legalidade", afirmou o ministro. "Os poderes de investigação atribuídos às CPIs devem ser exercidos nos termos da legalidade."

"A observância da legalidade é fundamental não apenas à garantia das liberdades individuais, mas à própria integridade das funções (...) das CPIs. Essas não detêm simples poder de investigar; antes, estão vinculadas pelo dever de fazê-lo, e de fazê-lo dentro dos parâmetros de legalidade", afirmou Eros Grau. O ministro ressaltou, no entanto, que, em caso de nova notificação para acareação, deverá ser garantido a Okamotto o direito ao devido processo e ao contraditório.

Essa não é a primeira vez que o presidente do Sebrae tem uma vitória no STF. No início do ano, Okamotto conseguiu suspender no Supremo a quebra de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico decretada pela CPI dos Bingos."