319) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (1)...
Dou início aqui a uma série de quatro posts, nos quais discuto uma exposição de um conhecido acadêmico, dito progressista, numa conferência de relações internacionais organizada pelo PT, em SP, começada no dia 31 de março de 2006.
O capitalismo global, o império neoliberal e a América Latina:
aqui se joga o destino da humanidade?
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
A julgar pela análise do professor Emir Sader, abaixo desenvolvida – tal como resumida pelo eficiente serviço de imprensa do PT –, o destino da humanidade depende da América Latina, em especial do Brasil, e mais especialmente ainda da reeleição do presidente Lula, sem o que um projeto alternativo ao capitalismo global não mais será possível. Esse tipo de afirmação, de enormes conseqüências práticas, resulta em atribuir uma tremenda responsabilidade política aos líderes de esquerda da América Latina, em especial aos do Brasil e do PT em particular.
De minha parte acredito, modestamente, que trata-se de evidente exagero, e que a “realidade efetiva das coisas”, como diria um filósofo italiano, é bem mais prosaica do que pensa o ilustre acadêmico, e que essa realidade não caminha, necessariamente, no sentido apontado pelo professor. Não apenas creio que ele peca por excesso de otimismo, quanto às possibilidades de contestação do capitalismo global a partir deste continente relativamente marginal para a economia e a política internacionais, como acredito também que a América Latina não será determinante no jogo estratégico e geoconômico global, sobretudo se ela continuar a ser orientada por idéias “fora do lugar”, como as exibidas pelo professor.
Para comprovar, ou não, suas afirmações, em um tipo de exercício que poderia ser chamado de “duelo intelectual à distância”, proponho-me a confrontar essas afirmações – sempre a partir do resumo apresentado no site oficial do PT, em 31 de março de 2006, neste link: http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=42352 – com algumas perguntas e outros questionamentos de minha parte, num esforço analítico que é de natureza tanto conceitual quanto empírica, uma vez que seus argumentos precisam ser submetidos ao teste da realidade.
Os trechos do documento original e aqueles sob minha responsabilidade estarão claramente identificados, respectivamente pelas siglas ES e PRA, ademais da distinção de tipos e formatos das fontes (o que, entretanto, nem sempre aparece em determinados veículos de transmissão e de reprodução de textos).
31/03/2006 - Sader: Destino da AL depende do Brasil
ES: O capitalismo nunca foi tão forte como agora, política e ideologicamente; a correlação de forças internacionais é altamente desfavorável para a esquerda; e os Estados Unidos continuam sendo o eixo econômico do planeta. Mas ainda há esperança para os que acreditam num "outro mundo possível". E ela reside na América Latina – hoje o maior centro de resistência ao modelo neoliberal que se disseminou pelo planeta.
PRA: Apenas entendendo: se o capitalismo nunca foi tão forte e se a correlação de forças nunca foi tão desfavorável, ainda assim o professor quer acreditar que existe uma esperança de se construir um “outro mundo” na América Latina? A despeito de reiteradas afirmações nesse sentido, desde o primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001, não se tem notíciais de quais seriam os contornos, o perfil e muito menos o conteúdo desse “outro mundo” tão alardeado pelos anti-globalizadores. E quais seriam, exatamente, os fatores não apenas de resistência, mas de posterior reversão das fortes tendências globalizantes que, a julgar pela exposição do professor, dominam atualmente o panorama mundial? Veremos no resto da exposição…
ES: A análise é do professor Emir Sader, proferida nesta sexta-feira (31) durante a palestra de abertura da Conferência sobre Relações Internacionais do PT. Seu objetivo, alertar a militância de esquerda para a compreensão da influência internacional na conjuntura local – o que, segundo ele, tem sido desconsiderado nos últimos tempos.
PRA: Não creio que esse aspecto tenha sido desconsiderado, agora ou em qualquer outro tempo. Em todos os encontros do movimento anti-globalizador, os aspectos globalizadores, justamente, têm sido muito mais enfatizados do que os fatores propriamente internos de desenvolvimento das forças econômicas e sociais. Tenho observado muito mais invectivas contra o império e a globalização – e seus males associados, como podem ser o neoliberalismo, o consenso de Washington e a Alca – do que análises profundas sobre os vetores internos ou setoriais desses processos. Durante mais de uma década temos ouvido dizer que os países da região se dobraram, quase de modo submisso, aos ditames de Washington, às imposições das instituições de Bretton Woods, às regras do famoso “consenso”. Não creio, assim, que a afirmação do professor se justifique.
ES: “Os militantes precisam conhecer o termômetro do enfrentamento. Precisamos reconstituir a dimensão internacionalista de nossa luta”, conclamou Sader, dirigindo-se à platéia de 200 pessoas presentes ao primeiro dia do seminário. O encontro acontece na sede da Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (rua Tabatinguera, 278, Centro de São Paulo) e vai até domingo.
PRA: “Reconstituir a dimensão internacionalista dessa luta” é o que mais tem sido feito desde os primeiros movimentos anti-globalizadores, ainda em meados dos anos 90, como no movimento contra o MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos, então negociado no âmbito da OCDE –, nas lutas contra a OMC e as “sisters in the Woods”. Não acredite que falte vontade e ações nesse sentido; em todo caso, os militantes da causa são chamados a perseverar nesses esforços.
ES: Embora tenha críticas pontuais ao governo Lula (a manutenção de tropas brasileiras no Haiti, por exemplo), Sader foi categórico ao afirmar que é “fundamental” reeleger o atual presidente, em outubro, para que o processo de resistência latino-americana – na busca de um modelo próprio de integração regional – tenha continuidade e seja aperfeiçoado.
PRA: Creio que trata-se de um objetivo legítimo, esse do “modelo próprio” de integração – já que sobre o Haiti persistem divergências de fundo, os movimentos de esquerda achando que o governo brasileiro faz o “jogo do imperialismo” – mas para que ele tenha continuidade seria preciso que ele fosse definido de modo mais preciso. Supõe-se que o novo modelo seja feito muito mais de “integração social” do que de integração puramente comercial ou econômica. Mas, assim como a integração comercial pode ser mensurada e avaliada – pelos fluxos de comércio e de investimentos, por exemplo – seria preciso encontrar uma maneira de medir a evolução ou os progressos da integração social que parece ser a preferida pelo professor. Alguma idéia da metodologia a esse respeito?
(continua...)
O capitalismo global, o império neoliberal e a América Latina:
aqui se joga o destino da humanidade?
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
A julgar pela análise do professor Emir Sader, abaixo desenvolvida – tal como resumida pelo eficiente serviço de imprensa do PT –, o destino da humanidade depende da América Latina, em especial do Brasil, e mais especialmente ainda da reeleição do presidente Lula, sem o que um projeto alternativo ao capitalismo global não mais será possível. Esse tipo de afirmação, de enormes conseqüências práticas, resulta em atribuir uma tremenda responsabilidade política aos líderes de esquerda da América Latina, em especial aos do Brasil e do PT em particular.
De minha parte acredito, modestamente, que trata-se de evidente exagero, e que a “realidade efetiva das coisas”, como diria um filósofo italiano, é bem mais prosaica do que pensa o ilustre acadêmico, e que essa realidade não caminha, necessariamente, no sentido apontado pelo professor. Não apenas creio que ele peca por excesso de otimismo, quanto às possibilidades de contestação do capitalismo global a partir deste continente relativamente marginal para a economia e a política internacionais, como acredito também que a América Latina não será determinante no jogo estratégico e geoconômico global, sobretudo se ela continuar a ser orientada por idéias “fora do lugar”, como as exibidas pelo professor.
Para comprovar, ou não, suas afirmações, em um tipo de exercício que poderia ser chamado de “duelo intelectual à distância”, proponho-me a confrontar essas afirmações – sempre a partir do resumo apresentado no site oficial do PT, em 31 de março de 2006, neste link: http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=42352 – com algumas perguntas e outros questionamentos de minha parte, num esforço analítico que é de natureza tanto conceitual quanto empírica, uma vez que seus argumentos precisam ser submetidos ao teste da realidade.
Os trechos do documento original e aqueles sob minha responsabilidade estarão claramente identificados, respectivamente pelas siglas ES e PRA, ademais da distinção de tipos e formatos das fontes (o que, entretanto, nem sempre aparece em determinados veículos de transmissão e de reprodução de textos).
31/03/2006 - Sader: Destino da AL depende do Brasil
ES: O capitalismo nunca foi tão forte como agora, política e ideologicamente; a correlação de forças internacionais é altamente desfavorável para a esquerda; e os Estados Unidos continuam sendo o eixo econômico do planeta. Mas ainda há esperança para os que acreditam num "outro mundo possível". E ela reside na América Latina – hoje o maior centro de resistência ao modelo neoliberal que se disseminou pelo planeta.
PRA: Apenas entendendo: se o capitalismo nunca foi tão forte e se a correlação de forças nunca foi tão desfavorável, ainda assim o professor quer acreditar que existe uma esperança de se construir um “outro mundo” na América Latina? A despeito de reiteradas afirmações nesse sentido, desde o primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001, não se tem notíciais de quais seriam os contornos, o perfil e muito menos o conteúdo desse “outro mundo” tão alardeado pelos anti-globalizadores. E quais seriam, exatamente, os fatores não apenas de resistência, mas de posterior reversão das fortes tendências globalizantes que, a julgar pela exposição do professor, dominam atualmente o panorama mundial? Veremos no resto da exposição…
ES: A análise é do professor Emir Sader, proferida nesta sexta-feira (31) durante a palestra de abertura da Conferência sobre Relações Internacionais do PT. Seu objetivo, alertar a militância de esquerda para a compreensão da influência internacional na conjuntura local – o que, segundo ele, tem sido desconsiderado nos últimos tempos.
PRA: Não creio que esse aspecto tenha sido desconsiderado, agora ou em qualquer outro tempo. Em todos os encontros do movimento anti-globalizador, os aspectos globalizadores, justamente, têm sido muito mais enfatizados do que os fatores propriamente internos de desenvolvimento das forças econômicas e sociais. Tenho observado muito mais invectivas contra o império e a globalização – e seus males associados, como podem ser o neoliberalismo, o consenso de Washington e a Alca – do que análises profundas sobre os vetores internos ou setoriais desses processos. Durante mais de uma década temos ouvido dizer que os países da região se dobraram, quase de modo submisso, aos ditames de Washington, às imposições das instituições de Bretton Woods, às regras do famoso “consenso”. Não creio, assim, que a afirmação do professor se justifique.
ES: “Os militantes precisam conhecer o termômetro do enfrentamento. Precisamos reconstituir a dimensão internacionalista de nossa luta”, conclamou Sader, dirigindo-se à platéia de 200 pessoas presentes ao primeiro dia do seminário. O encontro acontece na sede da Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (rua Tabatinguera, 278, Centro de São Paulo) e vai até domingo.
PRA: “Reconstituir a dimensão internacionalista dessa luta” é o que mais tem sido feito desde os primeiros movimentos anti-globalizadores, ainda em meados dos anos 90, como no movimento contra o MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos, então negociado no âmbito da OCDE –, nas lutas contra a OMC e as “sisters in the Woods”. Não acredite que falte vontade e ações nesse sentido; em todo caso, os militantes da causa são chamados a perseverar nesses esforços.
ES: Embora tenha críticas pontuais ao governo Lula (a manutenção de tropas brasileiras no Haiti, por exemplo), Sader foi categórico ao afirmar que é “fundamental” reeleger o atual presidente, em outubro, para que o processo de resistência latino-americana – na busca de um modelo próprio de integração regional – tenha continuidade e seja aperfeiçoado.
PRA: Creio que trata-se de um objetivo legítimo, esse do “modelo próprio” de integração – já que sobre o Haiti persistem divergências de fundo, os movimentos de esquerda achando que o governo brasileiro faz o “jogo do imperialismo” – mas para que ele tenha continuidade seria preciso que ele fosse definido de modo mais preciso. Supõe-se que o novo modelo seja feito muito mais de “integração social” do que de integração puramente comercial ou econômica. Mas, assim como a integração comercial pode ser mensurada e avaliada – pelos fluxos de comércio e de investimentos, por exemplo – seria preciso encontrar uma maneira de medir a evolução ou os progressos da integração social que parece ser a preferida pelo professor. Alguma idéia da metodologia a esse respeito?
(continua...)
1 Comments:
Excelente argumentação. Emir Sader é um sujeito delirante. Acho incrível que um professor não consiga aprender nada com as "lições da história". Dane-se a realidade.
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