31 março 2006

316) Da nobre (e pouco usual) arte de atirar no próprio pé...

Existe todo tipo de arte no mundo e, de fato, não existe "uma" atividade humana chamada arte, mas diversas artes em diferentes categorias, das mais convencionais às mais estranhas, algumas bizarras mesmo.
Todos já ouvimos falar da arte de abrir o próprio ventre com um punhal ritual, o tradicional harakiri japonês, mas esta "arte" é feita com a clara intenção de retirar sua presença do mundo, após o que se considera a suprema ignomínia cometida contra o próprio país, algum ato extremamente reprovável contra si mesmo e sua honra, contra a família, e outros motivos de alto significado moral.
Não creio que essa arte tenha algum dia a chance de prosperar entre nós, a não ser por modalidades involuntárias, tipo desempenhar certas atividades depois de uma lauta feijoada regada a sabe-se lá que aditivos e estimulantes...

Existe em contrapartida uma outra "arte" muito praticada entre nós, sobretudo em momentos de confusão moral, de clara indefinição quanto aos modos de reagir em face de determinadas adversidades surgidas como que de repente, quando a reação do momento é intempestiva e mal pensada. Claro, a melhor recomendação seria uma reflexão ponderada sobre os dados do problema e uma reação proporcionado à amplitude do dano detectado, mas nem sempre esse tipo de racionalidade, mesmo "instrumental", está à disposição de certas mentes.
Surgem, portanto, as reações inusitadas, que podem implicar, como indicado no título, um "tiro no próprio pé".
Trata-se, obviamente, de um incidente, ou de um acidente, mas podem ocorrer casos piores.

Refiro-me à ação deliberada, a decisão consciente de praticar um gesto que, com toda certeza, envolverá a amputação involuntária de alguma falange inferior.
De fato, temos observado ultimamente que determinados personagens de nossa história política têm-se especializado nessa arte que não sei se tenho o direito de chamar de nobre, pois existem atiradores profissionais que não tolerariam tal concorrência desleal e indevida com seu hobby ou atividade costumeira.

Tudo indica que os personagens em questão, confrontados a um determinado problema (ou vários), tenham dito: "Sinto muito, mas eu tenho de matar esta formiga que se aproxima perigosamente do meu pé". E aí é aquela coisa: "Bum! Ai!".
Pois é, deve doer, mas os personagens em questão devem ter chegado à conclusão que seria melhor isso do que ver a formiga subindo perigosamente no pé, daí passando perigosamente para a perna e sabe-se lá aonde mais ela poderia se enfiar...

Mais surpreendente ainda é ver que, em algumas ocasiões, os personagens em questão não se contentam em acertar no próprio pé, e se dedicam à arte ainda mais difícil (e dolorosa) de acertar na rótula...
Não sei se é por inconsciência, má pontaria ou por incompetência mesmo, mas que deve ser chato, isso deve ser...

Se o indivíduo em questão o fez por absoluta necessidade moral, algum sacrifício eventual por alguma causa superior, a gente ainda poderia dar um certo desconto e dizer, "pois é, de vez em quando esses sacrifícios são necessários..."
Mas, se ele o fez por absoluta má-fé, por desejo consciente de enganar todo mundo, só podemos dizer, como os franceses, "tant pis... débrouillez-vous...".