28 março 2006

306) Uma carta comentada (por isso ela vale mais...)

Transcrevo a matéria do jornal e, no meio, insiro meus comentários: entre colchetes e em itálico:

Íntegra da carta enviada pelo ex-ministro Palocci ao presidente Lula
(Agência Estado, 27 março 2006, 21h00)

Brasília - O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci entregou, na tarde desta segunda-feira, uma carta ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, solicitando seu afastamento do cargo. [Trata-se de uma nova figura jurídica ou de estilo? Afastamento quer dizer o que?: o ministro vai dar um passeio na esquina e depois ele volta? Por que ele não se demitiu, tão simplesmente?] O teor do texto somente foi aberto à imprensa horas depois, quando o pedido já havia sido aceito por Lula. [Segundo outras informações, o ministro só redigiu a carta pedindo "afastamento" depois que o presidente já tinha decidido demiti-lo, ou "afastá-lo", segundo a "imprecisão terminológica do ministro.]

Em princípio, a assessoria do ministério soltou uma nota confirmando a entrega da carta, sem, contudo, revelar sua íntegra. O ministério apenas sugeriu que a imprensa se ativesse ao termo "afastamento", redigido na nota. Pouco depois, foi confirmada a saída de Palocci e sua substituição por Guido Mantega, então presidente do BNDES e ex-ministro do Planejamento. [Vocês, por favor, não estranhem, se eu solicitar meu "afastamento" temporário deste blog: fui à esquina e já volto...]

Leia a íntegra da carta:

"Brasília, 27 de março de 2006
A Sua Excelência o Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil
[Nada a comentar]

Senhor Presidente e amigo,
Peço a Vossa Excelência meu afastamento, nesta data, do cargo de Ministro de Estado da Fazenda. [O presidente redigiu um decreto de "afastamento"?]

Desde 1º de janeiro de 2003, trabalhei incansavelmente para corresponder à confiança com que Vossa Excelência me honrou ao escolher-me para servir ao seu lado como executor da política econômica de seu governo. Dei o melhor de mim, sem medir esforços. [Nisso, sem dúvida, justiça seja feita ao ministro.]

Estou convencido, porém, de que minha permanência no Ministério da Fazenda, neste momento de exacerbado conflito político, e quando sou alvo de todo tipo de maldades e acusações, não mais contribui para o avanço da obra do governo de Vossa Excelência, nem serve ao melhor interesse do Brasil. [Acusações, sim, maldades, parece exagero. O ministro foi sempre muito bem tratado pelo oposição, até mais do que deveria, tendo faltado com a verdade, como ele sabe que faltou, por diversas vezes, ainda que inconscientemente traído por suas "imprecisões terminológicas".]

Desde agosto do ano passado, iniciou-se um movimento sistemático para lançar dúvidas e suspeitas sobre o meu trabalho e a minha pessoa. Durante todo o final de 2005, procurei, por meio da imprensa e de três visitas sucessivas ao Congresso Nacional, esclarecer toda sorte de questões lançadas a meu respeito. No início deste ano, compareci perante comissão parlamentar de inquérito do Senado Federal, antes mesmo de ser convocado, para prestar esclarecimento amplo e direto sobre todas essas questões. [Desde agosto do ano passado, avolumam-se os indícios de que alguém estava faltando com a verdade, numa série de episódios rocambolescos que em nada devem às supostas maldades da oposição, mas que são inteiramente produzidos por acusações de alguns membros da tribo que ruidosamente ocupou o cerrado central, vinda de plagas mais discretas no interior paulista.]

Julguei haver refutado, naquele momento, em termos objetivos, a inconsistência das acusações e ter restabelecido as condições de trabalho deste Ministério. Entretanto, Senhor Presidente, a luta política se exacerbou nas últimas semanas e questões já superadas foram trazidas novamente à pauta. Tenho lidado com esta situação procurando sempre preservar a economia dos efeitos da luta política, assim como todo o trabalho do nosso Ministério. Entretanto, tornou-se cada vez mais difícil manter esta conduta, pois, em momentos de tal turbulência, os argumentos, as explicações e as ponderações perdem valor diante de acusações descabidas e conclusões apressadas. [O ministro foi refutado não pela exacerbação das lutas políticas, mas pelo sereno depoimento de um "simples caseiro", que disse com todas as letras, e sustentaria o que disse "até morrer", apenas isto: "O ministro mentiu!"]

Mais recentemente, episódio na Caixa Econômica Federal trouxe novamente a este Ministério pressões que tornaram impossível a continuidade regular do meu trabalho. Quero esclarecer, Senhor Presidente, que não tive nenhuma participação, nem de mando, nem operacional, no que se refere à quebra do sigilo bancário de quem quer que seja. Reafirmo ainda que não divulguei nem autorizei nenhuma divulgação sobre informações sigilosas da Caixa Econômica Federal. Sou consciente das leis e da responsabilidade do meu cargo. Sou consciente das regras da democracia e do Estado de Direito. [O "episódio" da Caixa não foi inventado, criado ou produzido pela oposição "maldosa", mas foi feito a 100% nas próprias fileiras da situação, um escandalo "made at home", na continuidade de outros episódios parecidos. Desta vez, os companheiros não se contentaram em atirar no próprio pé: eles tiveram a inacreditável pontaria de acertar na própria rótula: assim, ninguém aguenta ficar de pé...]

Foi com esta postura que realizamos um trabalho forte de estabilização da economia brasileira. Durante estes três anos e três meses, não houve lugar para malfeitos de qualquer ordem. Digo isto em meu nome e, tenho certeza, no nome de todos os secretários que comigo conduziram este trabalho. Tenho orgulho de haver colaborado para a implementação da exitosa política econômica de Vossa Excelência, que tanto contribuiu para a estabilidade de nossa economia, com claros benefícios para as parcelas mais pobres de nosso povo. [Os "malfeitos" de nenhumam forma se referem à condução da política econômica, que de certa forma foi correta, ainda que sem imaginação; mas a estabilidade foi preservada, e por isso devemos render homenagem ao ministro. Os "malfeitos" têm diversas facetas, entre elas o transporte de dólares, mas eles podem ser resumidos num único gesto: "O ministro mentiu!"]

O controle definitivo da inflação, os números recorde de geração de emprego, a evolução do crédito, a boa administração da dívida pública e, particularmente, o espetacular desempenho das contas externas do País são conquistas do Brasil para as quais muitos governos colaboraram e seu governo consolidou. Estou extremamente feliz por haver contribuído para alcançar esses resultados. O Brasil está mais forte, mais preparado e maduro, para, sob a liderança de Vossa Excelência, seguir adiante trilhando esta política, no caminho do desenvolvimento econômico e social. [O ministro merece, por tudo isso, o prêmio "operário do ano", ou "executivo", como ele preferir, ainda que ele talvez não disponha de condições para voltar ao convívio normal com a sociedade organizada, pelo futuro imediato...]

Tomo a decisão de pedir o meu afastamento com tranqüilidade. A consistência do trabalho feito e a solidez da economia brasileira me dão a certeza de que a estabilidade do país e de suas instituições não depende da pessoa do Ministro da Fazenda e sim das políticas definidas por Vossa Excelência. Sempre servi ao governo de Vossa Excelência sem personalismos nem ambições pessoais. Minha dedicação e minha energia sempre estiveram voltadas para o progresso do Brasil e de seu povo. Esta é a mesma convicção da honrada equipe do Ministério da Fazenda e, tenho certeza, do próximo ministro que Vossa Excelência escolherá. [Acho que o ministro cometeu aqui, no caso do seu pedido de "afastamento", mais uma "imprecisão terminológica". Talvez seja a última, a não ser que CPIs e delegados de polícia lhe concedam mais algumas vezes esse direito...]

Respeitosamente, e com toda a gratidão.
Antonio Palocci Filho
Ministro de Estado da Fazenda"

[Uma carta solicitando "afastamento" tem direito ao Diário Oficial? Com a palavra algum togado meretíssimo...]