27 março 2006

303) Os novos "internacionalistas"...

Folhateen, FSP, 27 março 2006, p. 6-8 (www.folhateen.com.br), mas liberado apenas para assinantes do UOL ou da Folha.

TRABALHO
A faculdade de relações internacionais é uma das mais disputadas nos vestibulares do Brasil; opção divide especialistas e confunde estudantes

Os internacionalistas
LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos anos 80, havia apenas dois. Em dezembro de 2005, já eram 84, sendo 17 deles somente em São Paulo. Sétimo curso mais concorrido da Fuvest, na frente de carreiras clássicas, como direito e administração, o bacharelado em relações internacionais (RI) teve a terceira nota de corte mais alta do último vestibular da Universidade de São Paulo: 68 pontos. E a primeira turma entrou nessa nova faculdade da USP somente em 2002.
Portanto, tanto pela oferta de vagas como pelo alto nível da concorrência, não há como negar que a carreira é a bola da vez entre os estudantes que enxergaram na globalização e na abertura da economia brasileira uma maneira de abraçar o mundo.
Mas, afinal, a carreira de "internacionalista" (como começa a ser chamado, provisoriamente, o profissional de RI) é o melhor caminho para alcançar posição em empresas, em agências e em organizações governamentais, no serviço diplomático ou no próprio sistema universitário?
Ou é um daqueles cursos que atraem estudantes indecisos que se aproveitam da característica interdisciplinar do bacharelado em RI para ganhar tempo enquanto tentam encontrar a vocação profissional?
"Não diria que atrai indecisos, mas seguramente atrai jovens com curiosidade de entender o mundo que os cerca e com disposição de explorar caminhos de profissionalização não tradicionais", explica a coordenadora do bacharelado em relações internacionais da USP e vice-diretora do Instituto de Relações Internacionais, Maria Hermínia Tavares de Almeida.
"O bacharelado em RI proporciona uma sólida formação básica no estudo de problemas internacionais de forma a permitir que o aluno possa atuar em qualquer organização com atuação internacional", explica Maria Hermínia.
"Meu grande sonho é trabalhar na ONU, na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). O único problema é que eu não sei como chegar lá. Acho que o Itamaraty seria um caminho", conta o estudante do segundo ano do ensino médio Ricardo Tenório, 16, que pretende prestar RI.
Mas seria essa a melhor forma para o desejo de Ricardo se realizar? "Não acho que seja importante fazer RI se você quiser fazer o Instituto Rio Branco [responsável pela seleção e pela formação de diplomatas]. Quem quer o Itamaraty pode ser formado em qualquer graduação. Não é verdade que quem faz RI esteja mais bem preparado", diz Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana pela USP e colunista da Folha.
"Mas também não é verdade dizer que o pessoal de direito esteja. Todos os cursos ajudam em alguma coisa no concurso do Itamaraty. Depende mais do perfil de cada indivíduo. Ninguém deveria escolher a faculdade em razão disso", afirma Magnoli.
O diplomata de carreira e doutor em ciências sociais Paulo Roberto de Almeida é um dos maiores críticos ao curso de RI. "Não tenho certeza de que esse seja o melhor caminho para quem aspira a ser alguma coisa na vida, pois se trata de uma área relativamente nova e não suficientemente "testada" nos mercados de trabalho."
Para Almeida, o recrutamento para o Rio Branco é altamente seletivo e a formação deveria ser focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas, como economia e direito. Mas, segundo ele, não é seguro que um curso de RI consiga dar todas as competências requeridas, apesar de ele ser provavelmente o que mais estaria dentro do "campo" da diplomacia profissional.
"Acontece, porém -e isso precisa ficar muito claro aos aspirantes à carreira diplomática-, que, sendo esse recrutamento caracterizado pela "hecatombe" de 90% dos candidatos, os "não-entrantes" precisam "sobreviver" nas profissões normais, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil", explica o diplomata.
Há quem pretenda prestar RI mas queira distância do Itamaraty. Rafael Tarasantchi, 16, que está no terceiro ano do ensino médio, é um deles. Porém ele faz parte do clube que escolheu prestar RI por indecisão.
"Espero que o curso me prepare bem para qualquer coisa que eu queira. Sei que muita gente diz que é um curso em que ao mesmo tempo você sabe de tudo e de nada. Mas depende dos seus interesses. É mais para quem gosta de humanas", diz Rafael.
"A escolha de uma profissão e de uma faculdade é muito difícil, e o melhor guia para as pessoas é fazer aquilo de que gostam, porque, se gostarem, vão fazer bem, ter emprego e ser bem remuneradas", garante o embaixador Sérgio Amaral, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
Para ele, o pretendente a uma vaga em RI "tem de ter uma curiosidade grande pelo mundo, pela diversidade e pelos outros países e precisa de uma capacitação um pouco especial, que é o conhecimento de línguas, o que no Brasil não era um requisito tão importante e hoje é cada vez mais".
Gabriel Leicand, 18, faz cursinho com o objetivo de entrar em RI. Ele sempre adorou geografia, política, economia e história atual. "Sempre pensei em prestar ciências sociais ou história, mas eu me interesso muito mais pela atualidade. Quando descobri que RI tinha tudo de economia, de direito e de história atual, decidi prestar."
Elisa Klüger, 18, é aluna do primeiro ano de RI na USP. "Acho que muita gente está aqui e não sabe o que vai encontrar no futuro, que vem porque tem um pouquinho de tudo, porque é de humanas e porque tem mercado. Sinceramente, eu não concordo que há mercado. O mercado não está preparado para os formados em RI, pois eles concorrem com profissionais de outras áreas, como economia", defende Elisa.

TRABALHO

Conheça o que levou os estudantes ouvidos pelo Folhateen a tentar relações internacionais

Nobel da Paz inspira opção por RI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Queria o cargo de Mohamed el Baradei", conta o estudante do segundo ano do ensino médio Ricardo Tenório, 16. Ele sonha um dia ocupar o cargo de diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), braço das Nações Unidas para questões de não-proliferação nuclear, ocupado hoje pelo vencedor do Prêmio Nobel da Paz no ano passado. Para isso, Ricardo pretende prestar relações internacionais.
Ele tomou a decisão depois de participar de um modelo de simulação da ONU organizado pela Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Nessa disputa verbal, cada escola inscrita recebe um ou dois países para defender, e cada aluno defenderá um desses países em um dos comitês.
"No primeiro Fórum Faap eu fui a Coréia do Norte, no comitê de desarmamento e segurança internacional", conta Ricardo.
"É uma experiência muito legal, organizada pelo pessoal de RI da Faap. Eu adorei. Queria fazer jornalismo. Depois, decidi por direito. Aí fui a esse modelo e descobri que era isso. No ano passado, assisti a aulas de diplomacia e de política no curso de RI da PUC-SP. Adorei. Quero fazer tratados internacionais, e RI parece bastante útil para isso e me dá alguma base", conta Ricardo.
Carolina Cavalcanti, 20, faz cursinho para prestar direito na USP e RI na Unicamp e na Unesp. "Muitas pessoas que pensavam em fazer direito estão fazendo RI. Eu pretendo trabalhar no exterior, em um consulado. Espero sair pronta da faculdade para atuar como cidadã, ajudar a sociedade e dar uma outra visão da vida para as pessoas. Falta muito isso no Brasil."
A estudante quer ser procuradora internacional e pretende juntar as duas graduações para atuar na área pública. "Seguiria carreira diplomática somente se, durante a faculdade, eu me identificar."
Para o presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenador-geral do grupo de conjuntura internacional da USP, Gilberto Dupas, a opção de Carolina é a mais indicada.
"Para mim, o grande dilema do curso de RI é: "O que vocês vão fazer com a informação que receberam?". Procuro aconselhar da seguinte maneira: quem faz um curso de RI de graduação deverá fazer um curso de pós-graduação focado. Faça uma especialização para aplicar a generalidade. Outra opção é fazer a graduação em direito e a especialização em RI, por exemplo", explica.
Gabriel Arce, 18, pretende prestar vestibular para duas faculdades. Mas não de acordo com o conselho de Gilberto Dupas. Ele vai tentar oceanografia e RI.
"RI é a segunda opção. Minha primeira sempre foi oceanografia. Mas, por ser uma carreira diferenciada, resolvi prestar RI. Além disso, tenho cidadania americana e quero morar nos EUA", conta. "As duas faculdades não têm nada a ver, mas gosto muito de política internacional desde os 14 anos. Quero seguir carreira diplomática, mas nunca pensei em fazer isso aqui."
Da cozinha para as relações internacionais. Em uma temporada de quatro meses na Europa, o estudante Gabriel Leicand, 18, decidiu que prestará vestibular para RI.
"Não entrei em nenhuma faculdade, então decidi passar um tempo em Paris. Queria ser cozinheiro. Nesse meio tempo conheci um grupo de RI que estava fazendo intercâmbio. Vi que o curso se encaixou exatamente nos meus interesses. Gosto mais da discussão mais ampla do direito, relacionada à ética. Quando eu descobri que RI tinha tudo de economia, de direito e de história atual, decidi prestar."
Leicand ainda tem dúvida sobre qual área pretende atuar. "Sempre fiz projetos sociais. Não sei se vou acabar trabalhando numa ONG, numa empresa ou no governo, mas eu sei que eu não quero ser diplomata. Acho que em pequenas coisas a gente pode mudar mais. Apesar de não ter abandonado por completo a idéia de ser cozinheiro."
A indecisão pode atrapalhar os planos de quem não está preparado para encarar as dificuldades que o curso de RI apresenta.
A aluna do primeiro semestre do curso da USP Elisa Klüger, 18, já conhece o que vem pela frente. "Há muita coisa interessante no curso. É muito teórico e, para quem não está disposto a ler e resumir uma média de 50 páginas por dia, provavelmente não é aconselhável. Além disso, o curso tem muitas palestras. O aluno que vai ingressar tem de pensar que vai ficar praticamente todos os dias em palestras. Um dia vem um francês, outro dia vem um cara falar sobre jihad, tem muito tema. Você vai ter de ler, resumir e entregar. Você vai fazer isso o tempo inteiro", alerta. (Leandro Fortino)

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

"Paulo Roberto de Almeida é um dos maiores críticos ao curso de RI. "Não tenho certeza de que esse seja o melhor caminho para quem aspira a ser alguma coisa na vida" - hahaha, tive mesmo a impressão de que você havia pegado um pouco pesado. Você já começa, assim, a se incluir no time dos "direitistas raivosos" (ou "incultos"), aos quais a própria Folha tem se referido, nesses termos. Só comece a se prevenir contra espionagem e desestabilizadora pressão psicológica, como, por acaso, está acontecendo com Primeira Leitura.

terça-feira, março 28, 2006 5:50:00 AM  
Blogger Paulo Roberto de Almeida said...

Fiz uma penitencia por essa frase, que vai figurar em meu Blog, dentro de alguns dias, provavelmente dia 3 ou 4 de abril de 2006...

segunda-feira, abril 03, 2006 10:13:00 PM  
Blogger Jean Rodrigues said...

Desejo cursar Pós Graduação em RI, e tenho boas expectativas sobre os resultados. Sou profissional na área de ensino de idiomas e creio que os horizontes serão bem diferentes depois da experiência. Na minha região existem várias multinacionais que precisam de profissionais qualificados na respectiva área, e o mercado de trabalho está cada vez mais exigente, e agora serei um forte candidato e com boa qualificação, além de que me identifico com a profissão.

sexta-feira, janeiro 16, 2009 8:24:00 PM  
Blogger Ms.Nathy Valle said...

Só em meu bairro(Ilha da Conceição, Niterói), há uma média de 8 multinacionais, onde a oferta por profissionais de R.I é a que mais cresce. Discordo com quem diz que não tem mercado como pensam, o espaço é pequeno a nivel de Itamaraty, mas já agora existem outros caminhos a se seguir tendo esta profissão. Mas é claro, para que não se diga que o internacionalista é um profissional que "sabe tudo mas não sabe nada" seria essencial uma pós graduação focada como foi dito.

sexta-feira, novembro 27, 2009 1:30:00 PM  

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