27 fevereiro 2006

240) O brasileiro, este sobrevivente...

Chamo a atenção para o artigo transcrito abaixo do professor de filosofia Alberto Oliva, sobre os inacreditáveis perigos que cercam o brasileiro, sem qualquer exagero.
O brasileiro é, hoje, um cidadão encurralado!
Talvez muito do que ele conta se aplique mais bem ao carioca, no que ele precisa se desvencilhar de balas perdidas e outros perigos sistêmicos que possuem uma clara conotação geográfica, pois que exclusivos da ainda e sempre "cidade maravilhosa" (os bandidos também acham...).
Outros perigos são entretanto mais triviais, democraticamente disseminados por todo o Brasil, por obra e graça de um sistema político que nós mesmos alimentamos, com nossa mania de eleger políticos comprometidos com o projeto de bem aplicar o meu, o seu, o nosso dinheiro da maneira mais adequada, o que se entende em causa própria.

Como ele mesmo se apresenta, Alberto Oliva é filósofo, escritor e professor da UFRJ. Mestre em Comunicação e Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor-palestrante da EGN (Escola de Guerra Naval) e da ECEME (Escola de Comando e Estado-maior). Pesquisador 1-A do CNPq. É articulista do Jornal de Tarde desde 1993. Possui significativas publicações como "Liberdade e Conhecimento", "Ciência e Sociedade. Do Consenso à Revolução", "A Solidão da Cidadania", "Entre o Dogmatismo Arrogante e o Desespero Cético" e "Ciência e Ideologia".

"O Brasil é Para Profissionais

Na bandeira de nossa pátria já poderia estar inscrito o dístico “decifra-me ou devoro-te”. Há no planeta desde as sociedades protetoras e aconchegantes até as selvagens. A nossa é do tipo em que quase tudo é perigoso. Perdeu-se a inocência da convivência tranqüila dos anos 50. As flechas vêm de quase todas as direções. O brasileiro é um candidato permanente a São Sebastião. Está submetido a riscos dos mais variados tipos: de ser ludibriado, roubado e assassinado. E o pior é que seus inimigos podem ser tanto os governantes que escolheu quanto os marginais saídos das catacumbas do desconhecido. Não tem o pobre cidadão como viver feliz num ambiente que oculta tantas ameaças. O homem de bem é um amador encurralado por profissionais do mal.

Da corrupção gerida com eficiência tentacular ao assalto à mão armada, passando pela falta de serviços públicos de qualidade, tudo encurrala o indivíduo, tudo o transforma em marionete de um sistema perverso. Os brasileiros sofrem em sua maioria da síndrome de Estocolmo: vêem com enorme complacência os algozes. Trata-se de sintoma de infantilização. Como acreditam mais nas pessoas que nas instituições se decepcionam com as condutas e não com as funcionalidades viciosas. Quando se presta atenção nas implicações do que um candidato diz pode-se prever muitas das ações que executará como governante. O eleitor não pode colocar no Poder um partido com idéias socialistas retrógradas e depois estranhar suas ações no sentido de controlar, intervir, reduzir ou suprimir a liberdade. O bolchevismo tardio, sem causa e totalmente desmoralizado pela história, se juntou na Terra Brasilis ao velho patrimonialismo para criar uma grande rede de corrupção que fosse capaz de alavancar um Projeto de Poder. Com a queda do Muro de Berlim, alguns gênios petistas chegaram à luminosa conclusão de que a corrupção seria a baldeação rumo à Estação Finlândia. Quando Stalin se acasala com Macunaíma o rebento apresenta traços tragicômicos...

No Brasil, o cidadão não tem o direito de ficar desligado – de contemplar o céu e rolar pela relva; não tem como ser amador numa ambiência repleta de amoitados riscos oficiais, extra-oficiais e marginais. Precisa andar nas ruas olhando para os lados, em sobressalto permanente, atento aos mais diferentes golpes que podem vir de qualquer esquina de qualquer beco ou avenida. Precisa se defender de um Estado que lhe cobra impostos escorchantes que acabam mal aplicados, perdidos nos desvãos da burocracia inepta ou nos dutos da corrupção. Vota apreensivo porque é grande chance de o governante, dado o retrospecto histórico do país, se envolver em atos imorais ou criminosos, de não terminar o mandato, de gerar uma enorme frustração depois de ter alimentado, por meio de marketing especioso, a ilusão das soluções mágicas. O eleitor escaldado tem a triste consciência de ser alta a probabilidade de escolher governantes que nada mais são que programadores e operadores de assaltos ao Erário.

As sociedades mais avançadas são aquelas em que as pessoas podem se dedicar às suas tarefas, às suas especialidades, sem precisar se defender de tudo e todos. Quando os golpes deixam de ser monopólio de bandidos, estelionatários e criminosos, podendo ser praticados por agentes do governo, fica o indivíduo praticamente impossibilitado de se defender. Vira um amador, acuado e indefeso, cercado de profissionais da ilicitude. É a fragilidade das instituições que explica como e por que os brasileiros honestos se tornam amadores manipulados por meia dúzia de profissionais do crime e da política. E as instituições crescem fracas quando a sociedade não se aferra a determinados valores. Em que a média dos brasileiros acredita com firme convicção? Infelizmente, a democracia – não o democratismo populista – entendida como forma de limitar, distribuir o exercício do poder, a economia de mercado e a clara separação entre governo e Estado não são prezados como merecem. É o laxismo geral, a falta de inabalável adesão a certos valores político-econômicos, que faz com o País esteja sempre desorientado. Os desequilíbrios estruturais e a bandalheira moral não são devidamente combatidos porque faltam ao povo e às elites o profundo comprometimento com determinados valores filosóficos.

A atávica falta de respeito à liberdade individual, a incapacidade institucional de responsabilizar as pessoas por seus atos, a negação do direito à autodefesa fazem com que os amadores fiquem à mercê de facas, cacos de vidro, pistolas automáticas, AR-15 enquanto os profissionais da manipulação os engabelam propondo o desarmamento como solução. Os amadores pagam impostos e se trancam apavorados em casa e os profissionais defendem os bandidos como vítimas do Sistema. Os profissionais bolam planos assistencialistas e populistas, os amadores neles acreditam e ainda pagam a conta. E com isso a maioria deixa de receber saúde e educação de qualidade. Os profissionais contratam publicitários com dinheiro ilícito; os amadores se deixam seduzir. Os profissionais da criatividade, pagos a preço de ouro, criam para os outros profissionais, os poderosos, a propaganda “Um País de Todos” e os amadores não percebem que todos são Eles, são apenas Eles, os donos do Poder."

Alberto Oliva (aloliva@uol.com.br)
Artigo originalmente publicado no site Parlata, neste link:
http://www.parlata.com.br/artigos_exp.asp?seq=1857