246) Concorrencia sempre é boa, mesmo na educação...
Transcrevo abaixo matéria do jornal Valor, de 1º de março, sobre investimentos de entidades estrangeiras na educação brasileira. A intenção, claramente, é a de obter lucro, mas assim fazendo esses investidores criam um novo ambiente de competição num setor que mereceria mudanças dramáticas, não apenas quanto a ofertas de qualidade, mas também em volume de negócios, de maneira a atender todos os orçamentos e todas as necessidades...
Jornal Valor Econômico - 01.3.06 - pág. D6
Anhembi Morumbi quer oferecer cursos no exterior com preços de Brasil
Por Carolina Mandl e Andrea Giardino De São Paulo
A estudante Lívia Tirlone, de 17 anos, nunca viajou ao exterior. Mas já está afiando o inglês e o espanhol. Isso porque acaba de entrar na faculdade e quer concluir seu curso de turismo na Les Roche Hotel Management School, na Suíça, ou na Universidad Europea de Madrid, na Espanha.
A aluna nunca imaginou que poderia ter um diploma de uma escola européia por causa dos altos custos das mensalidades. Mas agora vê que esse sonho ficou menos distante. Lívia quer aproveitar o fato de a universidade brasileira Anhembi Morumbi ter sido comprada pela rede mundial de faculdades Laureate no fim do ano passado.
Como parte de uma rede global de ensino, a Anhembi Morumbi em breve poderá oferecer algumas vantagens econômicas aos alunos que quiserem aprender fora do país. Para estudar na Les Roche Hotel Management School, na Suíça, por exemplo, Lívia não teria de pagar sua mensalidade em euros. O preço seria o mesmo que ela paga hoje: R$ 827.
Por causa disso, Lívia diz que já está começando a fazer uma poupança para arcar lá com os gastos de moradia e alimentação na Europa.
É com esse mesmo apelo que atraiu a estudante de turismo que a Laureate, com escolas em mais de 15 países, quer crescer no Brasil. Em cinco anos, a meta da Anhembi é saltar dos atuais 25 mil para 60 mil alunos.
Os anúncios da Anhembi Morumbi em revistas e jornais, por exemplo, tentam atrair os vestibulandos justamente com a possibilidade de obter dupla diplomação ao estudar dois anos no Brasil e outros dois anos no exterior. Também falam da possibilidade de encontrar emprego em outro país, já que haverá uma central com currículos e vagas de trabalho no mundo inteiro.
Mas antes de os alunos poderem embarcar, muitas mudanças precisarão ser feitas. Há duas semanas, Juan Salcedo, reitor internacional da Laureate, esteve no Brasil justamente para iniciar o processo de adaptação dos currículos.
"Queremos que a Anhembi Morumbi se torne comparável a qualquer outra universidade nossa. Não tem por que as aulas de anatomia, por exemplo, serem diferentes uma vez que o corpo humano é igual no mundo inteiro", afirma Salcedo. Já matérias que exijam um conteúdo local não serão alteradas.
O reitor não se atreve a dizer quanto tempo a transformação de currículos irá demorar, mas, no México, onde a Laureate comprou a Universidad del Valle de México, essa mudança levou dois anos.
A mesma oportunidade que os alunos da graduação da Anhembi Morumbi terão de cursar parte das disciplinas em outras universidades do grupo será estendida a quem hoje faz pós-graduação. Assim como acontece em alguns cursos de MBA de escolas brasileiras, em que os alunos fazem módulos fora do país, um estudante da pós em gastronomia, por exemplo, poderá aprender com os chefs suíços, que hoje dão aula na Les Roches. "Ou em qualquer escola do grupo na Europa, Estados Unidos e América Latina", diz Michael Huckaby, vice-presidente mundial de marketing da Laureate. "E com a central de currículos, os interessados terão a chance de fazer estágio em empresas globais".
O grupo aliás, investe pesado nas áreas de gastronomia e hotelaria, foco principal de seu negócio. Por essa razão, a aquisição da Anhembi Morumbi tornou-se estratégica, já que ambos os cursos da escola são tradicionalmente reconhecidos pelo mercado. É nessa linha que a Laureate aposta no conceito de hospitalidade ("hospitality"). A idéia é formar profissionais com habilidades práticas e conhecimento teórico para receber clientes e convidados em bares, restaurantes, recepções e outros eventos. "Pretendemos reforçar essa abordagem, bastante disseminada no exterior", revela Huckaby. A Anhembi Morumbi já possui, inclusive, um curso de mestrado em hospitalidade.
No último ano, o grupo Laureate - que é dono de duas conceituadas escolas de "hotel management", Les Roches e Glion - abriu um novo centro de estudo, na China, voltado para o ensino da hotelaria, que abrirá inscrições no Brasil nos próximos 12 meses.
Neste ano, a Anhembi Morumbi irá investir R$ 20 milhões na inauguração de um novo campus, em infra-estrutura e em materiais para a formação dos alunos e professores. Nos próximos anos, o reitor da Laureate não descarta a possibilidade da universidade brasileira comprar outras escolas ou abrir unidades em outros estados.
Para consultores ouvidos pelo Valor, a aliança internacional deve trazer benefícios muito além do intercâmbio de alunos. "A dupla diplomação é um chamariz grande. Mas dada a realidade sócio-econômica brasileira, poucos alunos conseguirão ir ao exterior. Mas o benefício maior virá na reestruturação dos cursos e no treinamento dos professores", diz Ryon Braga, da consultoria especializada em educação Hoper.
O ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, agora consultor, afirma que outros grupos estrangeiros estão analisando as universidades brasileiras, interessados em aquisições. "A competição hoje se dá tanto em termos de qualidade quanto preço e isso essas redes internacionais sabem fazer bem", explica.
Por isso, além de melhorar os currículos da subsidiária brasileira, a Laureate está preocupada em manter preços que atendam à classe média brasileira. "Queremos desenvolver uma classe média trabalhadora bem-educada", diz o reitor da Laureate.
Antes de adquirir 51% da Anhembi Morumbi por US$ 69 milhões, a Laureate analisou o mercado brasileiro de educação por seis anos. "Só agora achamos que o país estava em condições de receber o investimento. Além disso, foi difícil encontrar um parceiro ideal", afirma Salcedo.
Para o executivo, no lado educacional, não há tantos problemas no ensino brasileiro. "Pelo menos no eixo Rio-São Paulo, ele é melhor do que vocês, brasileiros, pensam."
A Laureate não é a primeira empresa estrangeira a investir no ensino superior no Brasil. Em 2001, a Apollo International fundou junto com o grupo mineiro Pitágoras uma faculdade.
O grupo americano entrou no Brasil com o objetivo de instalar no país uma rede de faculdades com mensalidades acessíveis e voltada ao ensino de adultos que quisessem voltar aos estudos. Seria uma réplica daquilo que alguns investidores da Apollo fizeram nos Estados Unidos por meio da Universidade de Phoenix. Com mais de 100 mil alunos e cerca de cem campi nos Estados Unidos, a Apollo fatura cerca de US$ 1 bilhão.
Hoje, a Pitágoras tem seis campi, mais de 8.000 alunos e um faturamento anual de R$ 160 milhões. Mas, segundo o Valor apurou, os planos da Apollo não devem ir tão longe no Brasil. Isso porque vem sendo costurada a compra da participação da Apollo pelos sócios brasileiros.
O motivo da separação seria um desentendimento entre Apollo e Pitágoras na condução do negócio. De um lado, o grupo americano queria escala com um ensino de baixas mensalidades. Do outro, o Pitágoras montou cursos destinados a um público com maior poder aquisitivo. Sem conseguir alcançar o volume desejado e impor seu estilo de negócio, a Apollo prefere sair do país.
A faculdade Pitágoras nega, no entanto, a separação. "No momento esse é um assunto que não está na pauta. Mas estamos pensando em muitas alternativas para essa sociedade", afirma Walter Braga, presidente do Pitágoras. Procurado pelo Valor, a Apollo não respondeu aos pedidos de entrevista.
Jornal Valor Econômico - 01.3.06 - pág. D6
Anhembi Morumbi quer oferecer cursos no exterior com preços de Brasil
Por Carolina Mandl e Andrea Giardino De São Paulo
A estudante Lívia Tirlone, de 17 anos, nunca viajou ao exterior. Mas já está afiando o inglês e o espanhol. Isso porque acaba de entrar na faculdade e quer concluir seu curso de turismo na Les Roche Hotel Management School, na Suíça, ou na Universidad Europea de Madrid, na Espanha.
A aluna nunca imaginou que poderia ter um diploma de uma escola européia por causa dos altos custos das mensalidades. Mas agora vê que esse sonho ficou menos distante. Lívia quer aproveitar o fato de a universidade brasileira Anhembi Morumbi ter sido comprada pela rede mundial de faculdades Laureate no fim do ano passado.
Como parte de uma rede global de ensino, a Anhembi Morumbi em breve poderá oferecer algumas vantagens econômicas aos alunos que quiserem aprender fora do país. Para estudar na Les Roche Hotel Management School, na Suíça, por exemplo, Lívia não teria de pagar sua mensalidade em euros. O preço seria o mesmo que ela paga hoje: R$ 827.
Por causa disso, Lívia diz que já está começando a fazer uma poupança para arcar lá com os gastos de moradia e alimentação na Europa.
É com esse mesmo apelo que atraiu a estudante de turismo que a Laureate, com escolas em mais de 15 países, quer crescer no Brasil. Em cinco anos, a meta da Anhembi é saltar dos atuais 25 mil para 60 mil alunos.
Os anúncios da Anhembi Morumbi em revistas e jornais, por exemplo, tentam atrair os vestibulandos justamente com a possibilidade de obter dupla diplomação ao estudar dois anos no Brasil e outros dois anos no exterior. Também falam da possibilidade de encontrar emprego em outro país, já que haverá uma central com currículos e vagas de trabalho no mundo inteiro.
Mas antes de os alunos poderem embarcar, muitas mudanças precisarão ser feitas. Há duas semanas, Juan Salcedo, reitor internacional da Laureate, esteve no Brasil justamente para iniciar o processo de adaptação dos currículos.
"Queremos que a Anhembi Morumbi se torne comparável a qualquer outra universidade nossa. Não tem por que as aulas de anatomia, por exemplo, serem diferentes uma vez que o corpo humano é igual no mundo inteiro", afirma Salcedo. Já matérias que exijam um conteúdo local não serão alteradas.
O reitor não se atreve a dizer quanto tempo a transformação de currículos irá demorar, mas, no México, onde a Laureate comprou a Universidad del Valle de México, essa mudança levou dois anos.
A mesma oportunidade que os alunos da graduação da Anhembi Morumbi terão de cursar parte das disciplinas em outras universidades do grupo será estendida a quem hoje faz pós-graduação. Assim como acontece em alguns cursos de MBA de escolas brasileiras, em que os alunos fazem módulos fora do país, um estudante da pós em gastronomia, por exemplo, poderá aprender com os chefs suíços, que hoje dão aula na Les Roches. "Ou em qualquer escola do grupo na Europa, Estados Unidos e América Latina", diz Michael Huckaby, vice-presidente mundial de marketing da Laureate. "E com a central de currículos, os interessados terão a chance de fazer estágio em empresas globais".
O grupo aliás, investe pesado nas áreas de gastronomia e hotelaria, foco principal de seu negócio. Por essa razão, a aquisição da Anhembi Morumbi tornou-se estratégica, já que ambos os cursos da escola são tradicionalmente reconhecidos pelo mercado. É nessa linha que a Laureate aposta no conceito de hospitalidade ("hospitality"). A idéia é formar profissionais com habilidades práticas e conhecimento teórico para receber clientes e convidados em bares, restaurantes, recepções e outros eventos. "Pretendemos reforçar essa abordagem, bastante disseminada no exterior", revela Huckaby. A Anhembi Morumbi já possui, inclusive, um curso de mestrado em hospitalidade.
No último ano, o grupo Laureate - que é dono de duas conceituadas escolas de "hotel management", Les Roches e Glion - abriu um novo centro de estudo, na China, voltado para o ensino da hotelaria, que abrirá inscrições no Brasil nos próximos 12 meses.
Neste ano, a Anhembi Morumbi irá investir R$ 20 milhões na inauguração de um novo campus, em infra-estrutura e em materiais para a formação dos alunos e professores. Nos próximos anos, o reitor da Laureate não descarta a possibilidade da universidade brasileira comprar outras escolas ou abrir unidades em outros estados.
Para consultores ouvidos pelo Valor, a aliança internacional deve trazer benefícios muito além do intercâmbio de alunos. "A dupla diplomação é um chamariz grande. Mas dada a realidade sócio-econômica brasileira, poucos alunos conseguirão ir ao exterior. Mas o benefício maior virá na reestruturação dos cursos e no treinamento dos professores", diz Ryon Braga, da consultoria especializada em educação Hoper.
O ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, agora consultor, afirma que outros grupos estrangeiros estão analisando as universidades brasileiras, interessados em aquisições. "A competição hoje se dá tanto em termos de qualidade quanto preço e isso essas redes internacionais sabem fazer bem", explica.
Por isso, além de melhorar os currículos da subsidiária brasileira, a Laureate está preocupada em manter preços que atendam à classe média brasileira. "Queremos desenvolver uma classe média trabalhadora bem-educada", diz o reitor da Laureate.
Antes de adquirir 51% da Anhembi Morumbi por US$ 69 milhões, a Laureate analisou o mercado brasileiro de educação por seis anos. "Só agora achamos que o país estava em condições de receber o investimento. Além disso, foi difícil encontrar um parceiro ideal", afirma Salcedo.
Para o executivo, no lado educacional, não há tantos problemas no ensino brasileiro. "Pelo menos no eixo Rio-São Paulo, ele é melhor do que vocês, brasileiros, pensam."
A Laureate não é a primeira empresa estrangeira a investir no ensino superior no Brasil. Em 2001, a Apollo International fundou junto com o grupo mineiro Pitágoras uma faculdade.
O grupo americano entrou no Brasil com o objetivo de instalar no país uma rede de faculdades com mensalidades acessíveis e voltada ao ensino de adultos que quisessem voltar aos estudos. Seria uma réplica daquilo que alguns investidores da Apollo fizeram nos Estados Unidos por meio da Universidade de Phoenix. Com mais de 100 mil alunos e cerca de cem campi nos Estados Unidos, a Apollo fatura cerca de US$ 1 bilhão.
Hoje, a Pitágoras tem seis campi, mais de 8.000 alunos e um faturamento anual de R$ 160 milhões. Mas, segundo o Valor apurou, os planos da Apollo não devem ir tão longe no Brasil. Isso porque vem sendo costurada a compra da participação da Apollo pelos sócios brasileiros.
O motivo da separação seria um desentendimento entre Apollo e Pitágoras na condução do negócio. De um lado, o grupo americano queria escala com um ensino de baixas mensalidades. Do outro, o Pitágoras montou cursos destinados a um público com maior poder aquisitivo. Sem conseguir alcançar o volume desejado e impor seu estilo de negócio, a Apollo prefere sair do país.
A faculdade Pitágoras nega, no entanto, a separação. "No momento esse é um assunto que não está na pauta. Mas estamos pensando em muitas alternativas para essa sociedade", afirma Walter Braga, presidente do Pitágoras. Procurado pelo Valor, a Apollo não respondeu aos pedidos de entrevista.
1 Comments:
Falando bem baixinho, de minha parte, poderiam comprar até as universidades federais. Que a turma que já me considera "agente da CIA" não me ouça...
Abraço, Tambosi
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