252) Registro de empregados domésticos dará desconto no IR: um comentário de cautela
Segundo imprensa desta segunda-feira, dia 6 de março de 2006, o registro de empregados domésticos dará desconto no IR.
Transcrevo, em primeiro lugar, nota em boletim informativo do PT:
"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (6) medida provisória para estimular a contratação de empregados domésticos com carteira assinada. O empregador que registrar o funcionário terá descontada no Imposto de Renda a contribuição feita ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A regra vale a partir das declarações do próximo ano. Por meio da medida, o empregador pode deduzir no Imposto de Renda os 12% que paga ao INSS pelo trabalhador doméstico com carteira assinada. A estimativa do governo é de que a medida leve um milhão de empregados a saírem da informalidade. O anúncio foi feito pela ministra Nilcéia Freire (Políticas para Mulheres) e ocorre na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, 8 de março. O governo federal irá voltar essa data para a valorização do trabalho feminino."
Este tema não é novo. A possibilidade já tinha sido aventada em em 11 de janeiro de 2004.
Naquela ocasião, aproveitando os comentários da imprensa a esse respeito, eu tinha elaborado uma pequena nota informativa, que transcrevo a seguir:
Assunto: Isenção de IR para empregados domésticos: impacto nulo sobre o emprego
Resumo: Proposta do MTb de isenção do IR para encargos com empregados não teria impacto real sobre a remuneração do setor e poderia diminuir a arrecadação do Estado. Ela formalizaria uma parte dos trabalhadores sem carteira mas não traria aumento no nível geral de emprego, o que só poderia ocorrer com a desoneração geral da folha salarial e a flexibilização das normas contratuais. A questão será certamente polêmica para sindicalistas e políticos.
O Ministro do Trabalho defende a isenção de gastos com empregados domésticos (eds) na declaração do Imposto de Renda, sob pretexto de que a medida contribuiria para a formalização do contingente de 4,5 milhões de empregados hoje sem relações contratuais, bem como para a elevação dos padrões de remuneração. Em outro sentido vem argumentando economistas, que apontam o pouco impacto efetivo da medida para o mercado de trabalho e a perda potencial de arrecadação para o Estado. Apresento os argumentos dos dois campos e aponto a questão da “empregabilidade”, que não me parece atendida pela proposta do MTb.
O Brasil tem cerca de 80 milhões de trabalhadores, dos quais menos de 30 registrados. Dos 80, 6 milhões são eds (a maior parte mulheres), mas apenas 1,5 registrados (dados IBGE-PNAD/2002). O MTb apresentou proposta de dedução dos gastos das famílias com os eds, à condição de que estes tenham carteira assinada. Se pensa assim contribuir para a formalização das relações contratuais com aqueles 4,5 milhões à margem do sistema previdenciário, passando este a arrecadar os pagamentos que depois reverteriam em benefício para os aposentados da categoria. Com as deduções, se calcula que o impacto para a arrecadação efetiva seja neutro, mas a equidade social estaria garantida dado o reconhecimento de direitos hoje sonegados.
Economistas argumentam que os ganhos para os eds seriam mínimos, ou mesmo inexistentes, que o custo para as famílias que hoje empregam sem registro seria zero, dado o desconto, e que se beneficiariam as famílias com registro em carteira.
O Estado, porém, perderia, na medida em que as contribuições hoje recolhidas por estas últimas seriam perdidas, ademais das distorções adicionais que seriam introduzidas numa estrutura tributária já por si complexa e da nova regressividade assim criada em favor das famílias mais ricas (que são obviamente as que registram).
O economista Hélio Zylberstajn (FSP, 10/01/04) expõe esse ponto com clareza:
“A proposta do ministro se baseia no pressuposto de que, para incluir, é preciso formalizar a relação de emprego. Mas, ao propor a isenção do IR, o ministro reconhece que a dificuldade de formalizar vem do excesso de tributos sobre os salários. De fato, é muito caro formalizar vínculos de emprego neste país”.
Ele diz que o sistema tributário deveria caminhar para a simplificação e a desoneração, como forma de estimular o nível de emprego, ademais de tributar com progressividade, o que vai na direção contrária à da proposta. Mas, ele pergunta também, por que isentar apenas os encargos com eds, e não na construção civil, na agricultura, ou no limite, todos os tributos sobre a folha de salários? Haveria um impacto maior em termos de formalização, diz ele.
Minhas observações sobre este debate vão no seguinte sentido. A proposta do MTb de fato não aumentaria o nível de emprego dos eds, apenas formalizaria a situação de pessoas já incluídas no mercado de trabalho, com perda total de arrecadação para o Estado, como vimos. Creio que um número muito maior de famílias estaria disposto a contratar um contingente indefinido, mas certamente significativo, de eds potenciais se não apenas os tributos, de forma geral, fossem reduzidos (via redução dos encargos trabalhistas ou das deduções no IR, o que não favorizo), mas, sobretudo, se as próprias normas contratuais e os níveis de remuneração pudessem ser livremente fixados na relação contratual entre as duas partes, consagrando-se um sistema de trabalho flexível que melhor atenderia às necessidades de famílias médias, sem dar a estas o custo e a rsponsabilidade por uma contratação exclusiva.
Famílias médias não necessitam de eds de “dedicação exclusiva” (tempo integral), nem parecem dispostas a enfrentar os custos de férias, 13º ou licença-gestante, mesmo numa hipotética promessa de isenção posterior no IR. Elas gostariam de poder contratar uma cozinheira três vezes por semana, uma faxineira em dois outros dias, ou uma passadeira semanal, assim como famílias mais abastadas certamente contratariam ainda mais serviços no formato ad hoc, se não necessitassem atender a uma legislação que faz de qualquer relação de trabalho o foco de uma pesada e intrusiva legislação reguladora e excessivamente tributada (para os padrões de qualificação que se exigem dos eds). Ao contrário, um sistema do tipo SIMPLES (para as pequenas e micro-empresas) que fosse igualmente aplicável aos eds traria vantagens de criação de empregos, de inclusão no sistema, com recolhimentos moderados, e de expansão geral dos rendimentos de faixas pouco qualificadas.
O único obstáculo a isso me parece ser político, derivado da cultura excessivamente regulamentadora que se desenvolveu no Brasil nas últimas décadas.
Paulo Roberto de Almeida (pralmeida@mac.com); 11.01.04.
Transcrevo, em primeiro lugar, nota em boletim informativo do PT:
"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (6) medida provisória para estimular a contratação de empregados domésticos com carteira assinada. O empregador que registrar o funcionário terá descontada no Imposto de Renda a contribuição feita ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A regra vale a partir das declarações do próximo ano. Por meio da medida, o empregador pode deduzir no Imposto de Renda os 12% que paga ao INSS pelo trabalhador doméstico com carteira assinada. A estimativa do governo é de que a medida leve um milhão de empregados a saírem da informalidade. O anúncio foi feito pela ministra Nilcéia Freire (Políticas para Mulheres) e ocorre na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, 8 de março. O governo federal irá voltar essa data para a valorização do trabalho feminino."
Este tema não é novo. A possibilidade já tinha sido aventada em em 11 de janeiro de 2004.
Naquela ocasião, aproveitando os comentários da imprensa a esse respeito, eu tinha elaborado uma pequena nota informativa, que transcrevo a seguir:
Assunto: Isenção de IR para empregados domésticos: impacto nulo sobre o emprego
Resumo: Proposta do MTb de isenção do IR para encargos com empregados não teria impacto real sobre a remuneração do setor e poderia diminuir a arrecadação do Estado. Ela formalizaria uma parte dos trabalhadores sem carteira mas não traria aumento no nível geral de emprego, o que só poderia ocorrer com a desoneração geral da folha salarial e a flexibilização das normas contratuais. A questão será certamente polêmica para sindicalistas e políticos.
O Ministro do Trabalho defende a isenção de gastos com empregados domésticos (eds) na declaração do Imposto de Renda, sob pretexto de que a medida contribuiria para a formalização do contingente de 4,5 milhões de empregados hoje sem relações contratuais, bem como para a elevação dos padrões de remuneração. Em outro sentido vem argumentando economistas, que apontam o pouco impacto efetivo da medida para o mercado de trabalho e a perda potencial de arrecadação para o Estado. Apresento os argumentos dos dois campos e aponto a questão da “empregabilidade”, que não me parece atendida pela proposta do MTb.
O Brasil tem cerca de 80 milhões de trabalhadores, dos quais menos de 30 registrados. Dos 80, 6 milhões são eds (a maior parte mulheres), mas apenas 1,5 registrados (dados IBGE-PNAD/2002). O MTb apresentou proposta de dedução dos gastos das famílias com os eds, à condição de que estes tenham carteira assinada. Se pensa assim contribuir para a formalização das relações contratuais com aqueles 4,5 milhões à margem do sistema previdenciário, passando este a arrecadar os pagamentos que depois reverteriam em benefício para os aposentados da categoria. Com as deduções, se calcula que o impacto para a arrecadação efetiva seja neutro, mas a equidade social estaria garantida dado o reconhecimento de direitos hoje sonegados.
Economistas argumentam que os ganhos para os eds seriam mínimos, ou mesmo inexistentes, que o custo para as famílias que hoje empregam sem registro seria zero, dado o desconto, e que se beneficiariam as famílias com registro em carteira.
O Estado, porém, perderia, na medida em que as contribuições hoje recolhidas por estas últimas seriam perdidas, ademais das distorções adicionais que seriam introduzidas numa estrutura tributária já por si complexa e da nova regressividade assim criada em favor das famílias mais ricas (que são obviamente as que registram).
O economista Hélio Zylberstajn (FSP, 10/01/04) expõe esse ponto com clareza:
“A proposta do ministro se baseia no pressuposto de que, para incluir, é preciso formalizar a relação de emprego. Mas, ao propor a isenção do IR, o ministro reconhece que a dificuldade de formalizar vem do excesso de tributos sobre os salários. De fato, é muito caro formalizar vínculos de emprego neste país”.
Ele diz que o sistema tributário deveria caminhar para a simplificação e a desoneração, como forma de estimular o nível de emprego, ademais de tributar com progressividade, o que vai na direção contrária à da proposta. Mas, ele pergunta também, por que isentar apenas os encargos com eds, e não na construção civil, na agricultura, ou no limite, todos os tributos sobre a folha de salários? Haveria um impacto maior em termos de formalização, diz ele.
Minhas observações sobre este debate vão no seguinte sentido. A proposta do MTb de fato não aumentaria o nível de emprego dos eds, apenas formalizaria a situação de pessoas já incluídas no mercado de trabalho, com perda total de arrecadação para o Estado, como vimos. Creio que um número muito maior de famílias estaria disposto a contratar um contingente indefinido, mas certamente significativo, de eds potenciais se não apenas os tributos, de forma geral, fossem reduzidos (via redução dos encargos trabalhistas ou das deduções no IR, o que não favorizo), mas, sobretudo, se as próprias normas contratuais e os níveis de remuneração pudessem ser livremente fixados na relação contratual entre as duas partes, consagrando-se um sistema de trabalho flexível que melhor atenderia às necessidades de famílias médias, sem dar a estas o custo e a rsponsabilidade por uma contratação exclusiva.
Famílias médias não necessitam de eds de “dedicação exclusiva” (tempo integral), nem parecem dispostas a enfrentar os custos de férias, 13º ou licença-gestante, mesmo numa hipotética promessa de isenção posterior no IR. Elas gostariam de poder contratar uma cozinheira três vezes por semana, uma faxineira em dois outros dias, ou uma passadeira semanal, assim como famílias mais abastadas certamente contratariam ainda mais serviços no formato ad hoc, se não necessitassem atender a uma legislação que faz de qualquer relação de trabalho o foco de uma pesada e intrusiva legislação reguladora e excessivamente tributada (para os padrões de qualificação que se exigem dos eds). Ao contrário, um sistema do tipo SIMPLES (para as pequenas e micro-empresas) que fosse igualmente aplicável aos eds traria vantagens de criação de empregos, de inclusão no sistema, com recolhimentos moderados, e de expansão geral dos rendimentos de faixas pouco qualificadas.
O único obstáculo a isso me parece ser político, derivado da cultura excessivamente regulamentadora que se desenvolveu no Brasil nas últimas décadas.
Paulo Roberto de Almeida (pralmeida@mac.com); 11.01.04.
1 Comments:
Bela explicação. Não tenho ed, mas se tivesse gostaria que não só o inss fosse abatido, mas também alimentação e outros benefícios que minha consciência social pudessem prover. Sacanagem é pagar 27 % de imposto de renda sem direito a sonegação.
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