26 janeiro 2006

188) FSM: um jornalismo vazio e superficial


Transcrevo abaixo artigo publicado no Observatório da Imprensa:

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Uma cobertura vazia de conteúdo


Paulo Roberto de Almeida (*)

Observando a cobertura da imprensa (brasileira e internacional) a respeito da realização de mais um encontro do Fórum Social Mundial (FSM), não se pode deixar de ficar impressionado pela enorme distância entre a forma e o conteúdo, entre a agitação e a produção de fatos tangíveis, entre a inspiração e a transpiração. A imprensa bem que noticia o encontro, mas não reflete, minimamente, sobre o que se discute no encontro. Este é um comportamento que não data deste ano, mas vem acompanhando as várias edições do FSM. Seria o caso de se aplicar a famosa frase shakespeareana: much ado about nothing (muito barulho por nada)?

O que impressiona, na cobertura da imprensa, é justamente a capacidade dos jornalistas de se mostrarem simplesmente "impressionados" com alguns números, sem questionar o objetivo ou o conteúdo do próprio encontro. Nem se considera qualquer resultado tangível, qualquer matéria substantiva, mas tão simplesmente o encontro, como se ele tivesse o dom de ser notícia apenas pelo fato de ser um "encontro".

A superficialidade da cobertura da imprensa não é algo recente. Desde a primeira edição do FSM, em Porto Alegre, cinco anos atrás, que o mundo espera, inutilmente, que se informe, ao cabo de cada encontro, do que será feito e como será construído, exatamente, esse "outro mundo possível", alardeado há tantos anos pelos seus patrocinadores, sem que nada de concreto tenha emergido desde então.

Os jornalistas nunca tiveram a pachorra de questionar os organizadores sobre este problema maior, assim como sobre as mesmas questões que se renovam a cada encontro do FSM? Não existe nenhuma curiosidade sobre a contribuição genial de tantas cabeças reunidas num mesmo local para a solução dos problemas que afligem a humanidade?

Seria talvez conveniente perguntar, antes de mais nada, se existe, de fato, algo de concreto a ser relatado, além da movimentação de corpos num mesmo espaço. Aparentemente o FSM vai mobilizar 150 mil participantes, de 2.170 organizações inscritas, em 1.800 atividades programadas. Mas, por isso mesmo, como não ultrapassar o simples relato de que tantas pessoas se reuniram em tal ou qual lugar para se perguntar o que elas estão realmente fazendo e questionar se o que elas estão dizendo tem alguma importância para a agenda mundial?

Agenda reativa

Seriam os jornalistas ingênuos? Não creio, mas, neste caso específico, acho que está lhes faltando uma boa dose de discernimento entre o proclamado e o real, entre o anunciado e o entregue, entre a versão e o fato, ademais de uma boa dose de espírito investigativo para ir além da mera "propaganda" do FSM. Seriam eles incapazes de se deter um pouco mais no que vai de distância entre o discurso e a realidade dos fatos, ir um pouco mais adiante do que a simples reprodução das banalidades proclamadas por personagens que estão apenas buscando um espaço na imprensa?

Apenas um exemplo concreto desse tipo de superficialidade no tratamento da questão: no sábado (21/1/2006), o diretor do Ibase, Cândido Grzybowski, publicou um artigo no jornal O Globo, no qual ele conseguiu dizer que o FSM está rompendo com um suposto "pensamento único" do neoliberalismo mundial, apenas e tão-somente isto. A pobreza de argumentos me chocou, assim como deve ter deixado muita gente pensando: "E daí?"

O que o FSM tem a dizer sobre temas concretos, sobre o comércio internacional, sobre os mecanismos de ajuda ou de investimentos em mercados emergentes, sobre a agenda da integração regional e sobre a arquitetura do "novo mundo possível" anunciado há tanto tempo? A julgar pelo que sai na imprensa, rigorosamente nada.

Ainda um outro exemplo: segundo declaração de uma das integrantes do comitê organizador, a brasileira Analu Farias (O Estado de S.Paulo, 23/1/2006), "não há possibilidade de se construir um outro mundo, melhor do que esse, sem combater o imperialismo e controle dos mercados pelas grandes corporações internacionais". Além desse combate, que conforma uma agenda reativa e puramente negativa, o que pretendem, de positivo, os organizadores do FSM? Os jornalistas não se dão ao trabalho de perguntar a esses novos animadores de auditório?

Bando de ingênuos

O silêncio substantivo e a falta de propostas concretas são ainda mais surpreendentes quando se sabe que, segundo uma pesquisa do próprio Ibase, os participantes do FSM integram uma elite em termos de educação: 67,9% deles ostentam cursos universitários completos ou incompletos e 9,8% possuem grau de mestrado ou de doutorado. Será que eles não têm absolutamente nada de relevante para informar ou propor?

E os jornalistas, o que estão fazendo ali? Apenas cobrindo frases histriônicas de dirigentes de esquerda contra um suposto "pensamento único", como a "ditadura do capital", contra a "perversidade do consenso de Washington" e outras banalidades desse quilate? Será que não estamos suficientemente crescidos para continuar ouvindo esses slogans superficiais?

Os jornalistas não conseguem ultrapassar o colorido do espetáculo para penetrar no âmago das discussões, como eles fazem, aliás, em relação aos encontros do irmão mais velho do FSM, aquele dos "capitalistas de Davos", o Fórum Econômico Mundial?

Será que o jornalismo atual virou uma simples caixa de repercussão de slogans estudantis? Não estaria havendo leniência demais com simplismos econômicos e reducionismos políticos? Até quando os jornalistas vão continuar pensando que nós, leitores de jornais, também somos um bando de ingênuos, sequiosos por slogans de conteúdo vazio?

Será que desta vez, em Caracas, algo vai mudar para melhor?

(*) Professor universitário, diplomata e leitor de jornais