04 abril 2006

Sorry folks, de mudança, outra vez...

De mudança...
Comunico que, desde este 4 de abril, por motivos que independem de minha vontade (esta mula empacou outra vez...), me mudei deste Blog:

Cousas Diplomáticas
http://diplomaticas.blogspot.com/

para este para novo endereço:

Diplomatizando
http://diplomatizando.blogspot.com/

329) Meu blog empacou, outra vez...

Parece que é uma fatalidade: assim que a gente se afeiçoa a alguma coisa nova e bonitinha, vem a "fatalidade" -- que deve ser uma deusa de muito mau humor -- e provoca um incidente qualquer e acaba com a alegria dos incautos. O estrago foi feio...

Pois é, este meu blog empacou outra vez. Já é a segunda vez em menos de três meses: vinha eu caminhando, alegremente, com o meu primeiro blog (http://paulomre.blogspot.com/), quando a mula do Blogger (que pertence ao Google, essa maléfica entidade multinacional) cismou de não aceitar mais nada.
Não teve jeito: tentei de uma forma, tentei de outra, apelei para os deuses da cibernética, mas nada, a mula ficou onde estava e não arredou mais dali. ISto foi em 20 de janeiro de 2006, pouco mais de um mês da inauguração do blog.

Daí abri o meu segundo blog interativo, este "Cousas Diplomáticas", que acabou sendo complementado por três outros: um de Book Reviews, outro Academia, para minhas aulas, e um terceiro, Textos PRA, espécie de "depósito geral" para materiais os mais diversos.
Pois agora o meu "Cousas" -- que não se perca pelo nome -- resolveu parar no meio do caminho como um imenso bloco de granito. Não se move, nem para frente, nem para trás.
Só implodindo. Pois foi o que decidi fazer agora, "fechando" este e abrindo um outro, na seqüência imediata das postagens, inaugurando-o, portanto, sob o número 330.

Eis o novo blog: Diplomatizando: http://diplomatizando.blogspot.com/

Visitem, façam críticas, mandem comentários, mas por favor: não invoquem a deusa da fatalidade outra vez pois parece que ela é irascível.

02 abril 2006

328) Um site dedicado a livros e temas de relações internacionais...


Convite de “reinauguração”

Todos aqueles interessados em temas de relações internacionais, em especial em sua vertente econômica, de política externa brasileira e de relações exteriores do Brasil (não são exatamente a mesma coisa), em questões de política internacional e suas diferentes vertentes regionais, em especial da América Latina, em processos históricos de desenvolvimento econômico, na globalização, na regionalização, com especial ênfase na construção do Mercosul e nas negociações comerciais regionais, hemisféricas (Alca) e multilaterais (OMC), mas também em questões financeiras internacionais, sem esquecer os investimentos diretos estrangeiros, em políticas macroeconômicas nacionais e setoriais, não olvidando a educação e a formação de recursos humanos...
ufa!...
com destaque especial para os livros e os debates em torno de todas essas questões acima citadas, e o que mais aparecer,
estão convidados a fazer uma visita ao meu site pessoal:

www.pralmeida.org

(que foi reformado, não está sob nova direção, mas consegui corrigir algumas imperfeições existentes anteriormente, como links quebrados, ausência de arquivos, etc).

Sua estrutura é simples (mas tem muita coisa dentro de cada uma das seções).
O site está basicamente dividido em três seções substantivas:
1) Livros (meus, editados por mim, colaboração e outros): http://www.pralmeida.org/01Livros/1NewBoooks/0Livros.html

2) Trabalhos originais (a lista completa de meus trabalhos, em ordem cronológica): http://www.pralmeida.org/03Originais/00Originais.html

3) Trabalhos publicados (apenas aqueles que foram formalmente publicados): http://www.pralmeida.org/02Publicacoes/00Publicacoes.html

Além disso, existem links para listas de colaborações minhas a sites como:
1) Relnet (Colunas de Relnet, revista Cena Internacional e boletim Meridiano 47):
http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/01Relnet.html
2) Parlata (apenas resenhas de livros, grandes, pequenas, enormes...)
http://www.parlata.com.br/parlata_indica.asp
3) Espaço Acadêmico (coluna mensal sobre temas variados, em geral sobre o Brasil)
http://www.espacoacademico.com.br/arquivo/almeida.htm
4) Outras colaborações sob a forma de resenhas de livros para revistas como:
Desafios do Desenvolvimento: http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/03Desafios.html
Plenarium: http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/04Plenarium.html

Em cada uma das grandes seções, eu seleciono, regularmente, alguns trabalhos mais importantes, publicados ou inéditos.

Chega de informação, está feito o convite para visitas. Só não vou poder quebrar uma garrafa de champagne por ocasião deste “lançamento” porque isso poderia quebrar o meu computador...

Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org

327) Como anda essa frente de esquerda na América Latina?

Apenas transcrevendo matéria do jornal O Estado de São Paulo deste domingo, 2 de abril de 2006:

Bolívia vai retomar controle dos campos da Petrobrás
Decreto que será publicado neste mês transformará multinacionais petroleiras em prestadoras de serviços


Nicola Pamplona

O governo boliviano vai transferir à estatal local Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPFB) o controle sobre os campos de petróleo e gás hoje em mãos de companhias multinacionais, lista que inclui a brasileira Petrobrás. Um novo modelo contratual, que reserva às atuais concessionárias o papel de operadoras de poços, está em gestação no Ministério dos Hidrocarbonetos boliviano, e será apresentado ainda em abril, em decreto que regulamenta a nacionalização das reservas do país. As empresas terão seis meses, após a publicação do decreto, para se adaptar às novas regras.

O modelo defendido pelo ministério prevê que as petroleiras deixem de ser concessionárias de exploração e produção para se tornarem prestadoras de serviço da YPFB, mudança que desagrada a todas as companhias. O titular da pasta, Andrés Soliz-Rada, promete negociar a solução mais conveniente com as empresas. Mas a Lei dos Hidrocarbonetos de 17 de maio de 2005, que nacionalizou as reservas, determina que todas as atuais concessionárias migrem para os novos contratos. "O Estado tem decisão soberana sobre os hidrocarbonetos", comenta Jorge Teles, assessor de Soliz-Rada.

"O Estado é o dono das reservas. Já os caminhões, equipamentos e sondas de perfuração continuam sendo das empresas", diz o assessor do ministério. O decreto em elaboração pelo governo põe em prática a nacionalização das reservas que, na teoria, já vigora desde a publicação da Lei dos Hidrocarbonetos. A YPFB será o braço operacional do Estado no setor de petróleo e gás, explica Teles, e terá participação em todos os negócios no País. A empresa, que durante uma década atuou apenas no gerenciamento de contratos de compra e venda, está sendo reestruturada para assumir as novas funções.

Contratos de prestação de serviços são comuns em países do Oriente Médio, México e Venezuela, por exemplo. Segundo este modelo, as empresas são remuneradas pela operação dos poços, com tarifas reguladas. Na Bolívia, desde 1996, vigora um modelo de concessões semelhante ao brasileiro, no qual as petroleiras assumem os riscos exploratórios e, em caso de descoberta, se comprometem com os investimentos para produzir as reservas. A produção pertence aos concessionários, que têm autonomia para negociar melhores condições de venda.

"Não nos interessa ser prestadores de serviços", afirma o presidente da Petrobrás Bolívia, José Fernando de Freitas. "Nenhuma empresa está disposta a ter papel tão submisso e tão secundário", resume um executivo de multinacional com negócios na Bolívia. Na quarta-feira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, manifestou pela primeira vez o desconforto com o andamento do processo, surpreendendo os bolivianos pelo tom duro das declarações. A manifestação gerou resposta rápida do ministro Soliz-Rada, que, na manhã seguinte, pediu mais cordialidade nas conversas, mas sinalizou que não vai ceder a pressões.

Diante das críticas das empresas, o governo avalia se publicará modelo alternativo de contrato. Uma das propostas seria entregar participação acionária nos projetos à YPFB, garantindo à estatal parcela da produção de petróleo e gás. Mas, no Ministério dos Hidrocarbonetos, a avaliação é que o contrato de prestação de serviços é o instrumento que melhor atende aos interesses bolivianos. Teles sustenta que não se trata de confisco e diz que o governo quer parcerias. Mas é grande o risco de radicalização dos discursos, apontam observadores bolivianos.

"É provável que o discurso nacionalista se acirre, porque o governo está em plena campanha para conseguir maioria na Assembléia Constituinte que será convocada este ano", aponta o analista político Gonzalo Chavez, da Universidade Católica Boliviana. "O discurso político está entorpecendo a realidade. Esse embate não leva a nada", diz fonte do governo brasileiro.

"É natural que em períodos de petróleo caro os governos queiram rever contratos. Mas as medidas não podem ser tomadas unilateralmente", diz Freitas. Soliz-Rada anunciou que o ministério fará auditorias nas concessões atuais, com o objetivo de definir os termos dos contratos. A idéia é reduzir a margem de lucro dos projetos com investimentos amortizados, como o campo gigante de San Alberto, da Petrobrás, cita Teles.

326) Da série: fábulas fabulosas

A Formiguinha Feliz
(Coisas do mundo corporativo...)

Todos os dias a Formiga produtiva e feliz chegava ao escritório. Ali transcorria os seus dias, trabalhando e cantarolando uma velha canção de amor.
Era produtiva e feliz, mas não era supervisionada. O Marimbondo, gerente geral, considerou o fato impossível e criou um cargo de supervisor, no qual colocaram uma Barata com muita experiência.
A primeira preocupação da Barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída, além de preparar belíssimos relatórios.
Bem depressa se fez necessária uma secretaria para ajudar a preparar os relatórios e, portanto, empregaram uma aranhazinha, que organizou os arquivos e se ocupou do telefone. Em quanto isso, a formiga produtiva e feliz trabalhava e trabalhava.
O Marimbondo, gerente geral, estava encantado com os relatórios da Barata, e terminou por pedir também quadros comparativos e gráficos, indicadores de gestão e analise das tendências. Foi, então, necessário empregar uma Mosca ajudante do supervisor, e foi preciso um novo computador com impressora colorida.
Logo a Formiga produtiva e feliz parou de cantarolar as suas melodias e começou a lamentar-se de toda aquela movimentação de papeis que tinha de ser feita.
O Marimbondo, gerente geral, concluiu, portanto, que era o momento de adotar medidas: criaram a posição de gestor da área onde a Formiga produtiva e feliz trabalhava.
O cargo foi dado a uma Cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial. A nova gestora de área - claro - precisou de um computador novo, e quando se tem mais do que um computador, a Internet se faz necessária. A nova gestora logo precisou de um assistente (sua assistente na empresa anterior) para ajuda-la a preparar o plano estratégico e o orçamento para a área onde trabalhava a Formiga produtiva e feliz.
A Formiga já não cantarolava mais, e cada dia se tornava mais irascível. "Precisaremos pagar para que seja feito um estudo sobre o ambiente de trabalho um dia desses", disse a Cigarra. Mas um dia, o gerente geral - ao rever as cifras - se deu conta de que a unidade na qual a Formiga produtiva e feliz trabalhava não rendia muito mais.
E assim contratou a Coruja, consultora prestigiada, para que fizesse um diagnostico da situação.
A Coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um relatório brilhante com vários volumes e custo de "vários" milhões, que concluía:
"Ha muita gente nesta empresa".
E assim, o gerente geral seguiu o conselho da consultora e demitiu a Formiga, por que andava muito desmotivada e aborrecida...

325) Esquerda versus direita: de volta a um velho debate...

Ainda faz sentido a velha divisão política entre esquerda e direita?
Provavelmente não, mas a despeito de toda a evolução relativamente consensual conhecida pela humanidade, em termos de políticas econômicas e práticas democráticas, desde que esses dois conceitos – e a realidade que eles exprimem – foram criados, no contexto da Revolução francesa, na década final do século XVIII, o fato a ser ainda inquestionavelmente reconhecido é que essa divisão persiste.
De certa forma, ela se aprofunda em certos países. Não em todos, certamente, mas em vários de tradição social e sindical mais “confrontacionista”, os conceitos e os alinhamentos políticos dela derivados ainda encontram forte respaldo nos cenários políticos, em especial na Europa e na América Latina. Nos Estados Unidos e em certos países asiáticos as realidades políticas parecem bem mais matizadas, tornando virtualmente impossível a classificação dos grupos segunda a divisão clássica esquerda versus direita. Em relação aos EUA, observadores estrangeiros acreditam que os democratas estariam mais à esquerda – em função, provavelmente de sua maior vinculação com os meios sindicais e com as políticas ditas de ação afirmativa – e os republicanos – identificados com o “grande capital” – seriam os representantes da “direita”, mas isso não faz o menor sentido para quem conhece a realidade social e política daquele país.
Resta que, na Europa e na América Latina, sobretudo, grupos partidários, escolas de pensamento econômico e atores sociais continuam a se situar num espectro político que vai da extrema esquerda à direita conservadora, estes bem mais na Europa do que na América Latina, onde ninguém quer ser, honestamente, de direita ou conservador. Mesmo os liberais pró-mercado chegam a reconhecer, entre nós, a necessidade do Estado, em vista das “desigualdades sociais”.
Aqui parece estar, precisamente, a raiz da divisão histórica, ou clássica, que ainda justifica a existência desses dois agrupamentos genéricos (dentro dos quais se encontram as diversas “seitas” pertencentes à família maior): a esquerda reivindica a si mesma uma identificação com a resolução de determinados problemas sociais via forte atuação do Estado e políticas indutoras de transformação, ao contrário dos “liberais”, ou direitistas, que confiariam mais nas forças de mercado para que essa correção se faça.
O tema ainda voltou à baila, a partir das eleições ocorridas na América Latina no período recente, quando líderes identificados com as “causas populares” foram eleitos com ampla maioria de votos. Falou-se de uma “esquerdização” na América Latina, cujo sentido foi assim expresso por uma autoridade política:
“O que há, sem dúvida nenhuma, é uma tendência de governos mais comprometidos com reformas sociais, com maior autonomia em relação às grandes potências do mundo e maior vontade de integração regional. Se você identificar esquerda com a visão de progresso, reforma social, democracia e com forte defesa dos interesses nacionais, a resposta à sua pergunta é sim.” (entrevista da jornalista Eliane Cantanhêde com o chanceler Celso Amorim, Folha de São Paulo, 23.01.06).
A julgar por esse tipo de resposta, a identidade da esquerda se resumiria, portanto, na visão de progresso, na reforma social, na democracia e na defesa dos interesses nacionais, com defesa da autonomia em relação às potências mundiais. Mas, se questionarmos algum dirigente liberal, ou mesmo conservador, ele certamente não se oporia a nenhum desses objetivos, dizendo que ele também é favorável a reformas sociais, desde que preservados os princípios básicos da economia de mercado, da livre iniciativa, da autonomia das partes em regimes puramente contratuais – isto é, com interferência mínima nas relações trabalhistas, por exemplo –, princípios estes que raramente seriam lembrados por algum dirigente de “esquerda”. Ele ainda poderia agregar que é também favorável à abertura econômica, ao acolhimento ao capital estrangeiro, à liberalização do comércio, elementos que dificilmente poderiam ser encontrados num discurso da esquerda.

Os elementos principais que separam a esquerda da direita, assim, poderiam ser identificados mais com o ideário econômico, do que com as formas de organização política. Com raríssimas exceções, poucos hoje em dia ousariam defender a “ditadura do proletariado” ou um regime político dividido claramente em classes “dominantes” e classes “dominadas”, sendo que aquelas estariam representadas pela burguesia e pelos latifundiários, obviamente. Mas, melhor do que tentar interpretar o pensamento da esquerda, uma vez que apenas ela parece reivindicar ainda este rótulo, seria o ato de dar-lhe diretamente a palavra, para que ela mesma exponha as suas posições.

Num recente documento do Partido dos Trabalhadores (PT), preparado para expor suas idéias e razões no Fórum Social Mundial de Caracas (24 a 29 de janeiro de 2006), lê-se claramente a auto-designação desse partido como sendo de esquerda:

“A nova direção nacional do PT, eleita no dia 18 de setembro de 2005, tem plena consciência do que está em jogo, tanto para o Brasil quanto para a América Latina: não permitiremos o retorno, ao governo federal, de partidos comprometidos com o ideário neoliberal, com os interesses do capital financeiro e dos Estados Unidos. Por isto mesmo, o Partido dos Trabalhadores envidará todos os seus esforços para que a esquerda saia vitoriosa nas eleições de 2006.”

E como a esquerda deve sair vitoriosa em 2006? Em primeiro lugar construindo uma “alternativa ao modelo neoliberal”, mas essa alternativa, tanto quanto o “modelo” não se encontram explicitados em nenhum lugar do texto. Outros elementos aparecem mais adiante, ao pretender o PT “conduzir a reforma do Estado, estabelecendo mecanismos de controle social, implementando mecanismos de democracia direta e participação popular”. Ainda no terreno econômico, o que se quer é “crescer distribuindo renda e riqueza, com inflação e juros compatíveis com uma sociedade livre da ditadura dos interesses financeiros. Recusamos em absoluto as propostas que visam reduzir os gastos sociais (como a proposta de ‘déficit zero’). Do que necessitamos é aprimorar a gestão do Estado para ampliar os investimentos públicos e os gastos sociais”.

Creio que aí estão resumidas algumas das idéias econômicas da esquerda, pelo seu mais abalizado partido de massas no Brasil. A partir daí se pode, portanto, traçar um pequeno quadro do que separa, ainda, a esquerda da direita no Brasil (e, em grande medida, na América Latina).

O primeiro elemento a ser aqui notado, na caracterização das diferenças entre esquerda e direita, seria que a primeira é “instintivamente” anti-capitalista, ainda que pouca gente na esquerda, atualmente, acredite, que se vá conseguir “liquidar”, de fato, com o chamado “modo de produção capitalista”. A esquerda continua a xingar o capitalismo e a acusá-lo das piores perversões sociais, mas uma vez no poder se contenta apenas em administrar o capitalismo realmente existente.
Ou seja, a esquerda só é socialista da boca para fora, como rótulo cômodo, ou ainda para retomar uma velha tradição de lutas sociais que supostamente está identificada com o combate às mazelas da época “gloriosa” do capitalismo manchesteriano, quando a burguesia triunfante tratava o proletariado como modernos escravos das galés, e ostentava sua riqueza fumando charutos sobre um saco de dinheiro (esta é, pelo menos, a imagem clássica do capitalista sem alma).

O que a esquerda consegue ser, de fato, é estatizante, por acreditar, sinceramente, que o Estado é um instrumento útil e mesmo necessário para a correção dessas mazelas sociais criadas pelo capitalismo, a começar pela desigualdade distributiva e pela existência de “desequilíbrios de mercado”, que importa corrigir pela mão sempre lúcida do planejador social. Trata-se aqui do principal divisor de águas entre a esquerda e a direita, uma vez que esta última é mais propensa a acreditar nas soluções de mercado, como o meio mais justo, e inerentemente mais racional e eficiente, para redistribuir ganhos derivados do esforço individual.
Sim, aqui aparece outra característica distintiva: a esquerda é coletivista ou “social”, enquanto a direita prefere as liberdades individuais e a liberdade de iniciativa, com retenção de ganhos para o detentor dos “meios de produção”, ao passo que a esquerda privilegia a redistribuição da “riqueza social”.

No plano político, “mecanismos de controle social, implementando mecanismos de democracia direta e participação popular”, como expresso no documento do PT, soa como heresia aos ouvidos da direita, que prefere apenas a “democracia pura”, que a esquerda chama de “formal” ou “burguesa”, pretendendo, então, dar-lhe conteúdo social ou econômico.

Estes são, creio, os elementos centrais da tradicional divisão entre esquerda e direita. Como vivemos em regimes de escassez e de fortes desigualdades distributivas, que a esquerda atribui às estruturas inerentemente injustas da sociedade capitalista, e que a direita apenas credita a mecanismos de mercado, essa divisão promete continuar no futuro previsível, sem que alguma conciliação seja possível entre linhas tão díspares de concepção do mundo e da sociedade.

Restaria, então, para aprofundar o debate, examinar a consistência intrínseca e a validade empírica – isto é, submetida ao teste da realidade – das propostas respectivas da esquerda e da direita para a resolução (pacífica, entenda-se, uma vez que as revoluções não são planejadas, mas simplesmente ocorrem) desses contenciosos que não são apenas filosóficos, mas têm a ver com a própria organização política, social e econômica das sociedades humanas.
Essa tarefa fica, entretanto, para uma próxima oportunidade...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de janeiro de 2006

01 abril 2006

324) Itamaraty abre novas vagas em caráter excepcional


Vejam a nota de imprensa distribuída hoje pelo Itamaraty: novas vagas, excepcionais, estão sendo criadas, mas a lotação já está determinada que será em consulados necessitados de mão-de-obra e nas novas embaixadas africanas...

Ministério das Relações Exteriores
Assessoria de Imprensa do Gabinete


Palácio Itamaraty
Térreo
Brasília - DF
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Fax: 0(xx) 61-3321-2429
E-mail: imprensa@mre.gov.br

Nota nº 224 - 01/04/2006
Distribuição 22 e 23

Itamaraty amplia os serviços de atendimento consular e lotação de embaixadas em postos classificados como C – Medida Provisória

Tendo em vista o atendimento consular adequado da comunidade brasileira no exterior (que tem crescido exponencialmente na última década), bem como a lotação emergencial de funcionários diplomáticos e administrativos nos novos postos que estão sendo abertos em países africanos e levando em consideração que o processo normal de recrutamento, efetuado em bases anuais pelo Instituto Rio Branco, não tem permitido atender de forma conveniente as necessidades decorrentes dessa dupla expansão, o Senhor Presidente da República, informado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, decidiu enviar ao Congresso Nacional medida provisória determinando a abertura imediata de vagas nas carreiras diplomática (em número de 100 novas vagas) e de oficiais chancelaria (em número de 150 novas vagas), a serem preenchidas por concurso direto e posse imediatamente posterior aos exames de seleção.

Editais nesse sentido estarão sendo publicados proximamente de maneira a habilitar os candidatos interessados a prestar os concursos em 12 capitais brasileiras. As novas vagas a serem criadas por esses concursos diretos excepcionais serão necessariamente preenchidas nos consulados mais necessitados de novos recursos humanos e nos novos postos diplomáticos que estão sendo criados em países da África. Informação ulterior trará o quadro de vagas em cada um dos postos.

323) América Latina: males de origem

Respostas a questões colocadas por jornalista da revista ComCiência (http://www.comciencia.br/)

1. Com relação aos Estados Unidos e sua política externa, os democratas e os republicanos agem de forma diferente. Essa ascensão de governos de esquerda seria fruto da política seguida pelos republicanos?

PRA: As diferenças entre os dois grandes partidos americanos, Democrata e Republicano, em temas de política externa, são bem menos sensíveis do que no amplo espectro das políticas econômicas e sociais, nas quais pode-se detectar uma adesão mais enfática dos republicanos a medidas de corte liberal, ou pró-mercado, e uma preferência maior dos democratas por políticas de cunho social-democrático, de caráter mais ou menos intervencionista ou “dirigista”. Ainda assim, cabe considerar que os oito anos de Bill Clinton foram excepcionalmente caracterizados por disciplina fiscal e adesão aos princípios da globalização – liberalização financeira, regras do consenso de Washington etc. – ao passo que a administração alegadamente “conservadora” de George Bush tem demonstrado maior irresponsabilidade na vertente fiscal.
De toda forma, não existem praticamente diferenças no plano da política externa, onde os dois grupos defendem praticamente os mesmos princípios vinculados aos interesses americanos de segurança estratégica e de conquista de novos mercados e de garantias aos investimentos externos das empresas americanas. A única diferença aqui registrada pode ser caracterizada pela maior adesão dos democratas aos esquemas multialteralistas da ONU – mas de forma algo diluída – e uma opção preferencial dos republicanos pelo unilateralismo de tipo imperial. Mas, isso se manifesta no plano mais geral, não tendo praticamente nenhuma influência sobre a política externa dos EUA para a América Latina, na qual fica praticamente impossível distinguir políticas específicas de democratas ou republicanos.
No que se refere, entretanto, à questão colocada, deve-se observar, antes de mais nada que a pretendida ascensão de governos de esquerda em alguns países da América Latina não tem absolutamente nada a ver com a supostos efeitos da política “imperial” patrocinada pelos republicanos, uma vez que a América Latina praticamente não faz parte do “mapa estratégico” da grande potência. As mudanças políticas observadas nos últimos anos na região obedecem a dinâmicas políticas rigorosamente nacionais, não constituindo respostas a hipotéticas políticas da grande potência hegemônica. As manifestações e protestos conduzidos por grupos de esquerda e movimentos anti-globalizadores podem até dar essa impressão, mas não são esses os fatores que explicam a ascensão ao poder de partidos políticos mais ou menos identificados com a esquerda ou com movimentos ditos populares na América Latina.
As crises políticas observadas na Venezuela, na Bolívia, no Equador, bem como as sucessões eleitorais no Brasil, na Argentina, no Uruguai, no Chile e, possivelmente, no Peru e no México, dentro em breve, não respondem aos mesmos fatores e não se pautam por dominantes externas em suas respectivas esferas políticas internas. O que ocorreu, em alguns casos – Venezuela, Equador, por exemplo – foi uma crise geral do velho sistema partidário e a “evolução” para um sistema político mais fragmentado ou organizado em bases não-partidárias; em outros casos, ocorreu a ascensão de movimentos camponeses e indigenistas – como na Bolívia, mas também no Equador e no Peru – que também coloca em cheque a dominação política tradicional dos partidos “brancos”. A Argentina, por sua vez, atravessou uma tremenda crise econômica, que não parece ter até agora abalado as bases do protagonismo peronista no país, que de toda forma está fragmentado em diversas correntes que respondem mais a critérios de lideranças personalistas do que a linhas econômicas ou políticas muito definidas. No Uruguai ocorreu um inédito rompimento do secular duopólio blanco-colorado, mas que de toda forma foi conduzido por uma aglomeração de partidos, o Frente Amplio, que estava ha mais de uma década na disputa pelo poder. No Chile, o que se observou foi a continuidade da mesma coalizão política – a Concertación Democrática – que governa o país desde sua saída da ditadura Pinochet (1990) e uma sucessão entre socialistas, que de resto observam os cânones da mais perfeita política econômica liberal (e que não tem nada a ver com os apelos políticos populistas e a orientação nacionalista e estatizante de outros experimentos econômicos na regioão). No Brasil e na Argentina, finalmente, são governos moderadamente de esquerda ou nacionalistas, que não abalaram, no essencial, o funcionamento da economia de mercado e que tampouco fazem do antiimperialismo militante umprincípio de política externa, como pode ser o caso da atual liderança política venezuelana.

2. Em seu artigo "America Latina: novo rumo na direção da esquerda?" o senhor afirma que não são as politicas neoliberais que neutralizam as políticas sociais na região, mas sim a má qualidade das instituições democráticas. Por que?

A América Latina não se distingue tanto por políticas ditas “neoliberais” – de resto muito pouco seguidas na região, com exceção da maior ênfase no Chile e no México, ou na Argentina de Menem, e uma adesão moderada no Brasil de FHC – quanto por medidas ineficientes para contrabalançar o que são suas marcas distintivas desde várias décadas ou quiçá séculos: uma grande desigualdade distributiva, com enorme concentração de renda nos estratos sociais superiores, e dificuldades persistentes para sua inserção na economia mundial, o que explica o persistente declínio da participação da região nos fluxos de comércio e de investimentos internacionais.
Os principais determinantes dessa situação social negativa e dos baixos índices de competitividade econômica internacional não são, ou nunca foram, políticas ditas neoliberais, mas o baixo grau de escolaridade e de capacitação profissional da população, e o perfil econômico relativamente introvertido das estruturas econômicas da região. Não se pode culpar o neoliberalismo pela baixa qualidade da educação ou pela falta de formação profissional, quando o que o liberalismo econômico preconiza, justamente, é a qualificação produtiva da população para uma maior inserção nos intercâmbios mundiais. Tampouco se pode culpar o neoliberalismo pelo emissionismo irresponsável – base das altas taxas de inflação, que redundam em maior concentração de renda –, pela irresponsabilidade fiscal, pelos excessos regulacionistas – intervencionismo estatal – ou pela corrupção endêmica na maior parte dos países.
A má qualidade das instituições democráticas não é o principal determinante do baixo desempenho econômico relativo da América Latina, mas certamente é um fator que deve ser levado em linha de conta em qualquer análise que tente isolar os componentes do baixo crescimento, da ausência de ganhos significativos de produtividade, do caráter errático das políticas macroeconômicas e da instabilidade eleitoral das políticas setoriais. Quando se considera os elementos principais da equação latino-americana, o que pode explicar, de modo mais enfático, o relativo fracasso do desempenho econômico e social são, basicamente, quatro fatores: uma macroeconomia bastante instável – com mudanças freqüentes de políticas econômicas –, uma microeconomia pouco competitiva – com a persistência de cartéis, monopólios, reservas de mercado, e um ambiente regulatório para a atividade empresarial muito negativo, de modo geral –, uma má qualidade dos recursos humanos – a educação é o um dos principais determinantes dos ganhos de produtividade e a base indispensável de uma melhor distribuição de renda – e, finalmente, uma baixa inserção nos circuitos internacionais, com pequena participação nos fluxos de comércio e de investimentos.
Todos esses elementos estruturais não têm absolutamente nada a ver com o caráter supostamente neoliberal das políticas econômicas aplicadas na América Latina, tanto porque o país que aplicou de forma mais consistente e continuada esse tipo de política, o Chile, é o que apresenta o melhor desempenho econômico e social nas últimas décadas.

3. Há interesse de alguns países que as instituições latino-americanas fiquem enfraquecidas?

Não vejo quais países poderiam ostentar o desejo – ainda que de modo subreptício – desse tipo de fracasso, e certamente não os EUA. Instituições fracas significam aumento das transações ilegais e criminosas – como os ligados à produção e tráfico de narcóticos, à lavagem de dinheiro, máfias de imigrantes ilegais etc. – e não vejo como os EUA pretenderiam esse tipo de cenário no hemisfério. Uma “visão conspiratória” da história, hoje totalmente descreditada, pretende ver numa suposta oposição dos EUA aos esforços de industrialização e de fortalecimento econômico dos países latino-americanos a origem dos nossos males de subdesenvolvimento e de atraso econômico e fracasso social.
As instituições latino-americanas podem ficar – e geralmente ficam – enfraquecidas pela ação de grupos políticos internos, prebendalistas, rentistas, oligárquicos, corruptores, o que pouco tem a ver com alguma ação supostamente “deletéria” do capital estrangeiro ou a influência política de nações mais poderosas. A atribuição de causas “externas” para a maior parte dos nossos males de origem é o mais notável “bode expiatório” utilizado por grupos políticos nacionais, que se eximem de assumir responsabilidade política por seus próprios fracassos.

Paulo Roberto de Almeida (1570, 1º de abril de 2006)

322) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (4)...

(continuação, e final, da série sobre a esquerda latino-americana...)

ES: “Mas ainda temos enormes fragilidades. O Mercosul, por exemplo, avançou pouco”, avaliou. Com isso, segundo o professor, os EUA “vão comendo pelas beiradas” e preparando a volta da Alca.

PRA: Acho que o professor não precisa se preocupar: a Alca não volta mais, pois seria preciso dobrar os três maiores países da América do Sul. Em compensação, como sugerido sutilmente, os EUA vão logrando seus objeetivos por outras vias…

ES: Segundo Sader, é preciso caminhar na direção da moeda única e buscar maior integração na política e em outras áreas, com destaque para as comunicações – hoje dominada pela mídia que se faz porta-voz dos interesses norte-americanos.

PRA: Acho, sinceramente, que o professor não tem a menor idéia das condições e dos requerimentos de uma moeda única na região, do contrário não falaria com tanta ingenuidade sobre um tema tão complexo. Quanto aos demais aspectos, acho que ele tem toda razão: os novos dirigentes da América Latina, já eleitos e com fortes chances nas próximas eleições, parecem ter as mesmas orientações políticas, o que sem dúvida alguma propiciará o “ponto ótimo” da integração política. Se todos tiverem também as mesmas orientações em matéria de mídia e de comunicações, então o continente estará quase que inteiramente unificado, com exceção de algumas ovelhas negras liberais aqui e ali.

ES: Tais avanços não dependem apenas dos governos, entende Sader, mas da interação entre governos, forças políticas e movimentos sociais. Nesse aspecto, criticou o Fórum Social Mundial, que estaria “girando em falso” por resistir à idéia de ação conjunta. E citou o MAS (partido do presidente Evo Morales, da Bolívia) como exemplo vitorioso de ação partidária a partir dos movimento sociais.

PRA: O FSM talvez seja muito “anarquista” para o gosto do professor, pois ele segue refratário à idéia de “pensamentos únicos” e “ações conjuntas”. Sabe-se, também, que o movimento fraturou-se, justamente, entre os mais “organizacionais” e os persistentemente “anarquistas”, ou entre aqueles que pretendiam direcioná-lo no sentido da luta contra o império e a globalização perversa e os que pretendiam aprofundar a discussão em torno das chamadas “vias alternativas”. Mas, ainda há esperança, a partir do MAS boliviano e talvez de alguns outros movimentos similares. Resta ver se a agenda de todos esses governos, forças políticas e movimentos sociais é realmente convergente.

ES: “Não podemos ficar só no enfrentamento. É preciso construir força política”, concluiu.

PRA: Totalmente de acordo, o que me permite concluir, por uma vez, dando meu assentimento a pelo menos um argumento do professor. De fato, os movimentos que se opõem ao neoliberalismo, ao capitalismo global e ao império precisam constituir força política, mas é isso que vem sendo clamado desde muito tempo. Alguma explicação para resultados tão pífios até agora? Aparentemente, mesmo os governos ditos de esquerda não parecem dispostos a romper com o capitalismo global e o neoliberalismo, como parece ser o caso do Brasil, do Uruguai e do Chile, três dos exemplos no rol dos governos de esquerda da região, segundo o professor. Restam a Venezuela, a Argentina e a Bolívia, mais consistentemente anti-neoliberais, na concepção do professor: caberia ver para que direção eles estão efetivamente conduzindo seus países e qual o sucesso, mesmo relativo, de seus experimentos econômicos. O próximo teste, muito aguardado pelas forças ditas progressistas, é o do México: romperá um governo de esquerda com o Nafta e a política econômica até agora aplicada ali? Resposta em pouco tempo…


Minha modesta conclusão é a de que a América Latina está mais confusa do que nunca esteve e que não me parece que aqui se joga o destino da humanidade. Considero esse tipo de afirmação um jogo retórico do professor, mais destinado a encantar platéias já conquistadas do que convencer novas audiências. De resto, trata-se de velho problema das esquerdas latino-americanas, esse ficar rodando em círculos, nas contradições inconciliáveis – como diriam os marxistas dos tempos stalinistas – de suas próprias posições insustentáveis…

Paulo Roberto de Almeida
Brasília,1º de abril de 2006 (que não se perca por isto...)

Final da série!

321) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (3)...

(continuação do post anterior...)

ES: Nesse sentido, ele acredita que o atual quadro político latino-americano reúne as bases para determinação de um novo modelo. “A América Latina é um único lugar do mundo cujo projeto de integração regional tem relativa autonomia dos EUA. Aqui, os EUA estão muito mais isolados”, afirmou.

PRA: Fazendo as contas: os EUA firmaram um acordo dito Nafta em 1993, envolvendo o México, depois adotaram uma “iniciativa para o Caribe” e continuaram a negociar bilateralmente e plurilateralmente. No período recente foram concluídos acordos com o Chile, com a América Central e a República Dominicana, com o Peru e com a Colômbia. Estão em curso negociações com o Equador e, talvez, a Bolívia se interesse também, assim como nossos vizinhos e membros do Mercosul, o Uruguai e o Paraguai, já se declararam dispostos ao mesmo tresloucado gesto. Anteriormente, até a Argentina tinha inclinações nesse sentido, processo revertido com a nova administração Kirshner. A Venezuela, oficialmente desde a assunção de Chávez, se declara virulentamente contra a Alca, o que não demoveu os EUA de continuarem a tecer uma rede de acordos bilaterais e plurilaterais na região. Aparentemente, só restam os dois últimos países e o Brasil que se opõem ao projeto imperial. O que sobrou, então? Por certo, as economias do Brasil, da Argentina e da Venezuela respondem por boa parte do PIB sul-americano, mas falar de América Latina nesse contexto pode parecer exagero.

ES: Sader lembrou que o Continente foi a zona predominante dos experimentos e da disseminação do neoliberalismo nos anos 90. Ele citou a maneira como a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do Brasil, em 1994, foi construída “de fora para dentro” – a exemplo do que aconteceu em outros países da região.

PRA: Certo, mas então esses experimentos falharam rotundamente. Com exceção do Chile, quais países, exatamente, podem ser chamados, hoje, de neoliberais? Quanto À eleição de FHC, em 1994, ser construída de “fora para dentro”, trata-se de uma afirmação pelo menos estranha, na medida em que o FMI não confiava, e até se opunha, ao Plano Real. Ao que se sabe, foi esse o plano de estabilização que elegeu FHC, mais do que qualquer apoio externo, que não se sabe bem de onde poderia ter vindo.

ES: Mas foi também na América Latina, ressalvou Sader, que ocorreram as primeiras grandes crises do neoliberalismo, com a quebra das economias do México, do Brasil e da Argentina. “Além do primeiro grito contra o modelo, dos zapatistas, que levou à formação do Fórum Social Mundial”, completou.

PRA: Essas grandes crises foram, obviamente, as crises financeiras de meados e da segunda metade dos anos 90 e do início de 2000, para a Argentina e o Brasil, mas não se pode dizer que o México e o Brasil romperam com o neoliberalismo, para usar essa terminologia mais do que desgastada. Em todo caso, seria interessante que o professor, assim como os aliados do FSM, nos apresentassem, exatamente, os projetos e programas para uma alternativa não-neoliberal de desenvolvimento (capitalista?). OS zapatistas têm a chave da resposta? Seria preciso explicitar quais as bases do novo modelo. Por outro lado, a América Latina, devido ao seu baixo crescimento, baixa produtividade – o que significa, também, baixo dinamismo econômico – e reduzido grau de competitividade econômica, vem perdendo consistentemente posições e espaço no comércio internacional. Como é que ela poderia, nessas condições, liderar qualquer tipo de movimento contra o neoliberalismo? Com a palavra o professor…

ES: A chegada ao poder de governantes de esquerda ou progressistas em vários países (Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Chile e Bolívia, principalmente), na avaliação de Sader, levou a avanços importantes, como o fracasso da instalação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que estava prevista para janeiro de 2005.

PRA: A Alca já tinha fracassado muito antes da eleição dos novos presidentes do Uruguai, da Bolívai e do Chile – um país que, de resto, continua governado por um(a) socialista – e apresentar um fracasso como um “avanço” representa uma contradição nos termos: no máximo se pode dizer que esses “governantes de esquerda ou progressistas” lutaram pela preservação do status quo, pois é isto o que representa a não-Alca: tudo fica como antes… e nada muda. Se isso é um “avanço importante”, então o imobilismo foi elevado à condição de alavanca da história.

(continua no quarto e último post desta série...)

320) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (2)...

(continuação do post anterior...)

ES: “O destino da América Latina, de alguma maneira, está sendo jogado no Brasil”, afirmou ele. “O retorno da dupla PSDB/PFL (ao governo federal) significa ter no Brasil um enclave bushista pró-neoliberalismo que os EUA não têm hoje no continente”, disse. E enfatizou: “Temos de ganhar a eleição, impedir que o Brasil se transforme numa quinta coluna do poder norte-americano”.

PRA: Puxa vida!: quanta responsabilidade tem o Brasil nessa empresa. Mas se o Brasil faz quase a metade da América Latina não se trata de apenas um “enclave”, mas de um imenso território perdido para o novo modelo de integração, que então se tornaria impossível e seria provavelmente revertido para o modelo do livre-comércio e da Alca. E se por acaso o sucessor de Bush for um oponente democrata, em 2008, então teriamos um democrata neoliberal como aliado deste “enclave” pró-Bush aqui no Brasil? A dupla PSDB/PFL faria a resistência ao novo poder em Washington? Sinceramente, acho essa visão tão simplista que não honra o alegado descortínio político do professor.

ES: Sader lembrou que o fim o mundo “bipolar” nos anos 90 – após a queda do Muro de Berlim – significou a vitória do campo capitalista e provocou regressões nas ações e no discurso na esquerda, a começar pelo objeto principal de embate. “Antes, lutávamos contra o capitalismo. Agora, lutamos contra o neoliberalismo, que é um modelo de capitalismo”, argumentou.

PRA: Apenas querendo entender, novamente: se o capitalismo ganhou, segundo sua própria versão do “fim da história, do socialismo, ele pretende reverter o processo histórico, lutando contra esse novo modelo de capitalismo para chegar onde, exatamente? No velho socialismo enterrado sob os escombros do muro do Berlim? Se a esquerda regrediu, perdendo o que ele chama de “objeto principal de embate” – que é, obviamente, o socialismo, única força opositora do velho capitalismo de guerra – como é que ele pretende que se retome o velho caminho? Trata-se de um combate de retaguarda ou de uma luta reacionária, ou seja, pretendendo retroceder a épocas passadas da humanidade?

ES: De acordo com o professor, além de predominar em toda parte a “versão liberal” do que seja democracia, hegemonizou-se também o estilo de ser capitalista. “A força dos EUA reside muito mais hoje no campo ideológico, na forma mercantil de vida, no estilo de consumo, na marcas, nas corporações. Tudo isso tem grande poder de sedução, inclusive nas camadas mais pobres da população”, disse.

PRA: Sempre querendo entender: o professor pretende uma “versão não-liberal” da democracia, o que se presume seja uma uma modalidade não-liberal, autoritária, totalitária, ou o quê, exatamente? Registro apenas a contradição nos termos. Se ele não consegue definir a sua modalidade de democracia de modo positivo, só podemos presumir algo negativo: uma democracia “não-liberal”, e ficamos com isso. Quanto ao modo mercantil, mais presente na ideologia do que não se sabe bem onde, trata-se, pelo exposto, de um “estilo de ser capitalista”. Se as camadas populares se deixam seduzir, quais seriam as receitas para reverter esse “estilo”: pregar o estilo cubano, venezuelano?

ES: Para Sader, cabem aos movimentos de esquerda e progressistas o debate sobre novas meios de convivência, entre elas a “construção de forças solidárias e humanistas que não sigam o modelo capitalista, que sejam anticapitalistas”.

PRA: Perfeitamente possível, e não apenas possível, como já está em prática há muito tempo. Ao que eu saiba, as forças de esquerda sempre foram anti-capitalistas e não vejo onde está o apelo à novidade.

(continua no próximo post...)

319) Um exchange sobre o destino da humanidade, e o papel da América Latina nessa conversa toda (1)...

Dou início aqui a uma série de quatro posts, nos quais discuto uma exposição de um conhecido acadêmico, dito progressista, numa conferência de relações internacionais organizada pelo PT, em SP, começada no dia 31 de março de 2006.

O capitalismo global, o império neoliberal e a América Latina:
aqui se joga o destino da humanidade?


Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

A julgar pela análise do professor Emir Sader, abaixo desenvolvida – tal como resumida pelo eficiente serviço de imprensa do PT –, o destino da humanidade depende da América Latina, em especial do Brasil, e mais especialmente ainda da reeleição do presidente Lula, sem o que um projeto alternativo ao capitalismo global não mais será possível. Esse tipo de afirmação, de enormes conseqüências práticas, resulta em atribuir uma tremenda responsabilidade política aos líderes de esquerda da América Latina, em especial aos do Brasil e do PT em particular.
De minha parte acredito, modestamente, que trata-se de evidente exagero, e que a “realidade efetiva das coisas”, como diria um filósofo italiano, é bem mais prosaica do que pensa o ilustre acadêmico, e que essa realidade não caminha, necessariamente, no sentido apontado pelo professor. Não apenas creio que ele peca por excesso de otimismo, quanto às possibilidades de contestação do capitalismo global a partir deste continente relativamente marginal para a economia e a política internacionais, como acredito também que a América Latina não será determinante no jogo estratégico e geoconômico global, sobretudo se ela continuar a ser orientada por idéias “fora do lugar”, como as exibidas pelo professor.
Para comprovar, ou não, suas afirmações, em um tipo de exercício que poderia ser chamado de “duelo intelectual à distância”, proponho-me a confrontar essas afirmações – sempre a partir do resumo apresentado no site oficial do PT, em 31 de março de 2006, neste link: http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=42352 – com algumas perguntas e outros questionamentos de minha parte, num esforço analítico que é de natureza tanto conceitual quanto empírica, uma vez que seus argumentos precisam ser submetidos ao teste da realidade.
Os trechos do documento original e aqueles sob minha responsabilidade estarão claramente identificados, respectivamente pelas siglas ES e PRA, ademais da distinção de tipos e formatos das fontes (o que, entretanto, nem sempre aparece em determinados veículos de transmissão e de reprodução de textos).


31/03/2006 - Sader: Destino da AL depende do Brasil

ES: O capitalismo nunca foi tão forte como agora, política e ideologicamente; a correlação de forças internacionais é altamente desfavorável para a esquerda; e os Estados Unidos continuam sendo o eixo econômico do planeta. Mas ainda há esperança para os que acreditam num "outro mundo possível". E ela reside na América Latina – hoje o maior centro de resistência ao modelo neoliberal que se disseminou pelo planeta.

PRA: Apenas entendendo: se o capitalismo nunca foi tão forte e se a correlação de forças nunca foi tão desfavorável, ainda assim o professor quer acreditar que existe uma esperança de se construir um “outro mundo” na América Latina? A despeito de reiteradas afirmações nesse sentido, desde o primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001, não se tem notíciais de quais seriam os contornos, o perfil e muito menos o conteúdo desse “outro mundo” tão alardeado pelos anti-globalizadores. E quais seriam, exatamente, os fatores não apenas de resistência, mas de posterior reversão das fortes tendências globalizantes que, a julgar pela exposição do professor, dominam atualmente o panorama mundial? Veremos no resto da exposição…

ES: A análise é do professor Emir Sader, proferida nesta sexta-feira (31) durante a palestra de abertura da Conferência sobre Relações Internacionais do PT. Seu objetivo, alertar a militância de esquerda para a compreensão da influência internacional na conjuntura local – o que, segundo ele, tem sido desconsiderado nos últimos tempos.

PRA: Não creio que esse aspecto tenha sido desconsiderado, agora ou em qualquer outro tempo. Em todos os encontros do movimento anti-globalizador, os aspectos globalizadores, justamente, têm sido muito mais enfatizados do que os fatores propriamente internos de desenvolvimento das forças econômicas e sociais. Tenho observado muito mais invectivas contra o império e a globalização – e seus males associados, como podem ser o neoliberalismo, o consenso de Washington e a Alca – do que análises profundas sobre os vetores internos ou setoriais desses processos. Durante mais de uma década temos ouvido dizer que os países da região se dobraram, quase de modo submisso, aos ditames de Washington, às imposições das instituições de Bretton Woods, às regras do famoso “consenso”. Não creio, assim, que a afirmação do professor se justifique.

ES: “Os militantes precisam conhecer o termômetro do enfrentamento. Precisamos reconstituir a dimensão internacionalista de nossa luta”, conclamou Sader, dirigindo-se à platéia de 200 pessoas presentes ao primeiro dia do seminário. O encontro acontece na sede da Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (rua Tabatinguera, 278, Centro de São Paulo) e vai até domingo.

PRA: “Reconstituir a dimensão internacionalista dessa luta” é o que mais tem sido feito desde os primeiros movimentos anti-globalizadores, ainda em meados dos anos 90, como no movimento contra o MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos, então negociado no âmbito da OCDE –, nas lutas contra a OMC e as “sisters in the Woods”. Não acredite que falte vontade e ações nesse sentido; em todo caso, os militantes da causa são chamados a perseverar nesses esforços.

ES: Embora tenha críticas pontuais ao governo Lula (a manutenção de tropas brasileiras no Haiti, por exemplo), Sader foi categórico ao afirmar que é “fundamental” reeleger o atual presidente, em outubro, para que o processo de resistência latino-americana – na busca de um modelo próprio de integração regional – tenha continuidade e seja aperfeiçoado.

PRA: Creio que trata-se de um objetivo legítimo, esse do “modelo próprio” de integração – já que sobre o Haiti persistem divergências de fundo, os movimentos de esquerda achando que o governo brasileiro faz o “jogo do imperialismo” – mas para que ele tenha continuidade seria preciso que ele fosse definido de modo mais preciso. Supõe-se que o novo modelo seja feito muito mais de “integração social” do que de integração puramente comercial ou econômica. Mas, assim como a integração comercial pode ser mensurada e avaliada – pelos fluxos de comércio e de investimentos, por exemplo – seria preciso encontrar uma maneira de medir a evolução ou os progressos da integração social que parece ser a preferida pelo professor. Alguma idéia da metodologia a esse respeito?

(continua...)